quinta-feira, março 29, 2012

Mário Soares

(continuação)






A seguir ao 25 de Abril, foi buscar o Cunhal ao aeroporto, mas aquilo correu logo mal, não foi?

Foi espontâneo. Nos meses que antecederam o 25 de Abril tivemos duas conversas formais entre o PS e o PCP, para fazermos uma espécie de "união de esquerda", à francesa. Não chegámos a acordo quanto à união de esquerda, mas acordámos numa certa cooperação. Senti- -me obrigado a ir esperar o Cunhal. Fi- -lo, aliás, com gosto.
Mas ficou aborrecido ali com algumas coisas...
Pois fiquei! Eu abracei-o sinceramente e percebi que ele estava hirto e ficou visivelmente incomodado com a minha presença. Quando saímos, o aeroporto estava cheio de militantes do PCP, havia um tanque cá fora, que o PC tinha mandado pôr. Uma encenação. E então Cunhal resolveu subir para o tanque e começar a fazer um discurso às massas. Foi o primeiro discurso que fez a seguir ao 25 de Abril, em 30 de Abril, dia em que chegou. Houve um comunista que me empurrou para cima do tanque, eu não queria subir. Mas o mesmo tipo depois veio buscar-me, afinal não era para eu estar ali.

O Cunhal tinha aquilo encenado, estava um marinheiro e estava um soldado. Era o Lenine a chegar a São Petersburgo! Quando eu começo a ouvi-lo falar às massas, com um discurso escrito, pensei: "Está a imitar o Lenine quando chegou a São Petersburgo!" Eu também conhecia a cartilha... Tinha ido para o aeroporto no meu carro, mas disseram-me depois para ir no cortejo. "Tenho ali o meu carro, não vou nada no cortejo!" Insistiram. Lá fui com eles. Mas cheguei ao Campo Grande e disse: "Agora parem que eu não vou mais! Parem ou eu saio à força." Fiquei em casa.
Ficou logo de pé atrás...
Fiquei, confesso. Quando foi o 1 de Maio de 1974, o PC estava à frente, com a Intersindical - e o PS muito atrás. Um membro do Partido Comunista veio dizer-me para eu ir para a frente, para o pé do Álvaro Cunhal. Fui. Quando chegámos à tribuna perguntei qual era a ordem dos discursos. Disseram-me que o último era o Cunhal. Perguntei: "Porquê?" E o dirigente da Intersindical respondeu-me: "Fala em último porque é o mais velho." (risos)

Sim senhor, isso é uma razão. Eu fiz um discurso completamente improvisado, não escrevi uma linha. E parece que não saiu mal, diz quem ouviu. Era a euforia da liberdade, reconquistada num país novo. Fui realmente aplaudido. A seguir houve uma pausa e apareceu uma charanga improvisada, que tocou o hino nacional!
Antes do discurso do Cunhal?

Houve uma pausa, com o hino nacional de permeio! E o Cunhal rapa outra vez de um papel e fez um discurso para marcar uma linha política... Ele não tinha habilidade para falar espontaneamente. Não gostei nada do discurso. Mas ao mesmo tempo fiquei satisfeito porque o meu aparentemente, pelo menos, teve mais sucesso do que o dele, modéstia à parte, porque tinha falado espontaneamente e disse o que a multidão queria ouvir...
(continua)

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