GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 83
Coração romântico, as histórias
terríveis que ele contava nada significavam. Nem o revólver que conduzia no
cinto como qualquer homem em Ilhéus, naquele tempo.
Hábitos da terra… Ele gostava mesmo era
de comer bem, bons pratos apimentados, beber sua cerveja geladinha, jogar uma
apurada partida de gamão, atravessar uma madrugada chorando cartas no pocker,
receoso de perder no jogo os lucros do bar que ele ia depositando no banco na
esperança de comprar terras. De falsificar a bebida para ganhar mais, aumentar
cuidadosamente uns mil-réis nas contas dos que pagavam por mês, de acompanhar
os amigos ao cabaré, acabar a noite nos braços de uma Risoleta qualquer, xodó
de alguns dias. Dessas coisas e das morenas queimadas na cor, ele gostava. De
conversar também e rir.
De Como Nacib Contratou Uma Cozinheira
ou dos Complicados Caminhos do Amor
Deixou para trás a feira, onde as
barracas estavam sendo desmontadas, as mercadorias recolhidas. Atravessou por
entre os edifícios da Estrada de Ferro.
Antes de começar o morro da Conqui sta ficava o “mercado de escravos”. Alguém assim
apelidara, há tempo, o lugar onde os retirantes acampavam à espera de trabalho.
O nome pegara, ninguém chamava de outra maneira. Amontoavam-se ali os sertanejos
fugidos da seca, os mais pobres entre quantos deixavam suas casas e suas terras
no apelo do cacau.
Fazendeiros examinavam a leva recente, o
chicote batendo nas botas. Os sertanejos gozavam de fama de bons trabalhadores.
Homens e mulheres, esgotados e
famélicos, esperavam. Viam a feira distante, onde havia de um tudo, uma
esperança enchia-lhes o coração. Tinham conseguido vencer os caminhos, a
caatinga, a fome e as cobras, as moléstias endémicas, o cansaço. Atingiam a
terra fértil, os dias de miséria pareciam terminados.
Ouviam contar histórias espantosas, de
morte e violência, mas sabiam do preço do cacau em alta, sabiam de homens
chegados como eles do sertão em agonia e agora andando de botas lustrosas,
empunhando chicotes de cabo de prata. Donos de roças de cacau.
Na feira explodia uma rixa, gente
corria, uma navalha brilhava nos últimos raios de Sol, os gritos chegavam até
ali. Todo o fim de feira era assim, com bêbedos e barulhos.
Do meio dos sertanejos subiam sons
melodiosos de harmónica, uma voz de mulher cantava toadas.
O coronel Melk Tavares fez um sinal ao
tocador de harmónica, o instrumento silenciou:
-
Casado?
-
Inhô, não.
-
Quer trabalhar para mim? – Apontava outros homens já seleccionados por ele. –
Um bom tocador nunca é demais numa fazenda. Alegra as festas… – Ria
convincente; dele diziam saber escolher como ninguém homens bons para o
trabalho. Suas fazendas ficavam em Cachoeira do Sul. As grandes canoas estavam
esperando ao lado da ponte da estrada de Ferro.
Do agregado ou de empreiteiro?
-
A escolher. Tenho umas matas a derrubar, preciso de empreiteiros. – Os
sertanejos preferiam as empreitadas, o plantio de cacau novo. A possibilidade
de ganhar dinheiro por sua conta e risco.
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