GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 105
-
Vai bem, coronel.
Demorou-se um pouco no grupo formado por
Mundinho, João Fulgêncio e o Capitão. Nacib sentiu-se cheio de admiração pelo
velho: ele devia estar se comendo por dentro, de raiva e nada deixava transparecer,
aqueles que se preparavam para lutar contra o seu poder para arrancar-lhe os
postos, como se fossem crianças sem juízo, não oferecessem perigo.
Sentaram-no à cabeceira da mesa, entre
os dois intendentes; Mundinho vinha logo depois entre os Juízes. A comida das
irmãs Dos Reis começou a ser servida.
A princípio ninguém estava completamente
à vontade. Comiam, bebiam, conversavam, riam, mas havia uma inqui etação na mesa, como se esperassem um
acontecimento.
O coronel Ramiro não tocava na comida,
apenas provara o vinho. Seus olhos miúdos passeavam de conviva a conviva.
Escureciam-se ao pousar em
Clóvis Costa , no Capitão, em Mundinho. De súbito qui s saber porque o Doutor não comparecera e
lamentou a sua ausência. Aos poucos, o ambiente foi-se fazendo mais alegre e
despejado. Contavam-se anedotas, descreviam-se as danças de Anabela, elogiavam
a comida das irmãs Dos Reis.
E finalmente chegou a hora dos
discursos. O russo Jacob e Moacir haviam pedido ao Dr. Ezequi el Prado que falasse em nome da Empresa, oferecendo
o jantar. O advogado levantou-se, bebera muito, tinha a língua pastosa, quanto
mais bebia melhor falava. Amâncio Leal
segredou qualquer coisa aos ouvidos do Dr. Maurício Caíres. Sem dúvida
prevenindo-o para estar atento.
Se Ezequi el,
cuja lealdade política ao coronel Ramiro encontrava-se vacilante desde as
últimas eleições, entrasse a fazer comentários sobre o caso da barra competiria
a ele, Maurício, responder na bucha.
Mas o Dr. Ezequi el,
em dia de muita inspiração, tomou como tema principal a amizade entre Ilhéus e
Itabuna, as cidades irmãs da zona do cacau, agora ligadas também pela nova
Empresa de Ónibus essa “monumental realização” de homens empreendedores, como
Jacob, “vindo das estepes geladas da Sibéria para impulsionar o progresso deste
rincão brasileiro”, frase que humedeceu os olhos de Jacob, em realidade nascido
num «ghetto» de Kiev e a Moacir, “o homem que se fez à custa do próprio
esforço, exemplo de trabalho honrado”.
Moacir baixava a cabeça, modesto,
enquanto em torno ressoavam apoiados. Por aí foi, gastando muita civilização e
muito progresso, prevendo o futuro da zona, destinada a “alcançar rapidamente
os píncaros mais elevados da cultura”.
O Intendente de Ilhéus, xaroposo e
interminável, saudou o povo de Itabuna, coronel Aristóteles Pires, agradeceu em
poucas palavras. Observava o ambiente, pensativo. Levantou-se o Dr. Maurício,
soltou o verbo, serviu-lhes a Bíblia como sobremesa. Para concluir, elevando um
brinde a “esse impoluto ilheense, a quem tanto deve a nossa região, varão de
insignes virtudes, administrador operoso, pai de família exemplar, chefe e
amigo, coronel Ramiro Bastos”.
Beberam todos, Mundinho brindou com o
coronel. Apenas Dr. Maurício se sentara e já o Capitão pusera-se de pé, uma
taça na mão. Também ele queria fazer um brinde, disse, aproveitando aquela
festa que marcava um passo a mais no progresso da zona do cacau. A um homem
chegado das grandes cidades do sul para empregar naquela região sua fortuna e
suas extraordinárias energias, sua visão de estadista, seu patriotismo.
A esse homem, a quem Ilhéus e Itabuna já
tanto deviam, cujo nome estava anonimamente ligado a essa empresa de Ónibus como
a tudo mais que nestes últimos anos empreendera o povo ilheense, a Raimundo
Mendes Falcão, ele levantava sua taça. Foi a vez do coronel brindar com o
exportador. Segundo contaram depois, durante todo o discurso do Capitão,
Amâncio Leal manteve a mão na coronha do revólver.
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