GABRIELA
CRAVO
CRAVO
E
CANELA
CANELA
Episódio Nº 111
Nas roças, os frutos de cacau punham-se
de vez, todas as gamas do amarelo na paisagem, um ar doirado. O tempo da
colheita aproximava-se, de safra tão grande jamais se tivera notícia.
Gabriela guardava enorme tabuleiro de
doces. Outro, ainda maior de acarajés, abarás, bolinhos de bacalhau,
frigideiras. O moleque Tuísca pitando uma ponta de cigarro, esperava a
contar-lhe conversas do bar, miúdos acontecimentos, aqueles a afectá-lo mais
particularmente: os dez pares de sapatos de Mundinho Falcão, as partidas de
futebol na praia, um roubo acontecido na loja de fazendas, o anúncio da próxima
chegada do Grande Circo Balcânico com elefante e girafa, leões e tigres.
Gabriela ria, ouvindo, ficou atenta às
notícias do circo:
-
Vem mesmo?
-
Já tem anúncio nos postes.
Uma vez teve um circo por lá. Fui com a
tia para ver. Tinha um homem que comia fogo.
Tuísca fazia projectos: quando o circo
chegasse, ele acompanharia o palhaço em seu percurso pela cidade, montado de
costas num jumento. Assim acontecia sempre, cada vez que um circo armava seu
pavilhão no descampado da banca de peixe. O palhaço a perguntar:
-
Palhaço o que é?
A meninada a responder:
-
É ladrão de mulher…
O palhaço marcava-lhe a testa com cal,
ele entrava de graça no espectáculo à noite. Quando não ajudava os
“mata-cachorros” na arrumação do picadeiro, fazendo-se indispensável e íntimo.
Nessas ocasiões abandonava sua caixa de engraxate.
-
Um circo qui s me levar. O director
me chamou…
-
De mata-cachorros?
Tuísca quase se ofendeu.
-
Não, de artista.
-
O que é que tu ia fazer?
Iluminou-se o rostinho negro:
-
Pra ajudar com os macacos, aparecer com eles. E pra dançar também… Só não fui
por causa de mamãe… – A negra Raimunda estava entrevada de reumatismo,
incapacitada de exercer sua profissão de lavadeira; os filhos sustentavam a
casa: Filó, “chauffer” de marinete e Tuísca, mestre de várias artes.
-
E tu sabe dançar?
- Nunca viu? Quer ver?
Imediatamente pôs-se a dançar, tinha a
dança dentro de si, os pés criando passos, o corpo solto, as mãos batendo o
ritmo. Gabriela olhava, como ela era igual, não se conteve. Abandonou
tabuleiros e panelas, salgados e doces, a mão a suspender a saia. Dançavam
agora os dois, o negrinho e a mulata, sob o sol do qui ntal.
Nada mais existia no mundo.
Em certo momento Tuísca parou, ficou
apenas a bater as mãos sobre um tacho vazio, emborcado. Gabriela volteava, a
saia voando, os braços indo e vindo, o corpo a dividir-se, as ancas a rebolar,
a boca a sorrir.
(Click na imagem de uma pintura da colheita do cacau na Bahía. "As gamas de amarelo na paisagem, um ar doirado..."
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