quarta-feira, junho 13, 2012


GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 123


Broches de dez tostões, brincos de mil e quinhentos, com isso lhe agradecia as noites de amor, os suspiros, os desmaios, fogo a crepitar inextinguível. Cortes de fazenda vagabunda duas vezes lhe dera, um par de chinelos, pouco para as atenções, as delicadezas de Gabriela. Os pratos do seu agrado, os sucos de frutas, as camisas tão alvas e bem passadas, a rosa caída dos cabelos na espreguiçadeira.

De cima, superior e distante, ele a tratara como se estivesse a pagar-lhe regiamente o trabalho, a fazer-lhe um favor deitando-se com ela.

Os outros no bar a rondá-la. A rondá-la talvez na Ladeira de São Sebastião, a mandar-lhe recados, a fazer-lhe propostas, porque não seria assim? Nem todos haviam de usar Tuísca de portador, como ele, Nacib iria saber?

Que vinha fazer no bar o Juiz de Direito senão tentá-la? A rapariga do Juiz, uma jovem cabrocha da roça, aparecera alastrada de doenças feias, ele a largara.

Quando Gabriela começara a vir do bar, ele, idiota! – alegrara-se interessado apenas nos vinténs a mais das rodadas repetidas, sem pensar no perigo dessa tentação diariamente renovada. Impedi-la de vir não devia fazê-lo, deixaria de ganhar dinheiro. Mas era preciso trazê-la de olho, dar-lhe mais atenção, comprar-lhe um presente melhor, fazer-lhe promessas de novo aumento.

Boa cozinheira era coisa rara em Ilhéus, ninguém o sabia melhor do que ele. Muita família rica, donos de bar e hotéis deviam estar cobiçando sua empregada, dispostos a fazer-lhe escandalosos ordenados.

E como iria continuar o bar sem os doces e os salgados de Gabriela, sem o seu sorriso diário, sua momentânea presença ao meio-dia? E como iria ele viver sem o almoço e o jantar de Gabriela, os pratos perfumados, os molhos escuros de pimenta, os cuscuz pela manhã?

E como viver sem ela, sem seu riso tímido e claro, sua cor queimada de canela, seu perfume de cravo, seu calor, seu abandono, sua voz a dizer-lhe «moço bonito», o morrer nocturno nos seus braços, aquele calor do seio, fogueira de pernas, como? E sentiu então o significado de Gabriela. Meu Deus!, que se passava, porquê aquele súbito temor de perdê-la, porquê a brisa do mar era vento gelado a estremecer-lhe as banhas? Não, nem pensar em perdê-la, como viver sem ela?

Jamais poderia gostar de outra comida, feita por outras mãos, temperada por outros dedos. Jamais, ah!, jamais poderia querer assim, tanto desejar, tanto necessitar sem falta urgente, permanentemente, uma outra mulher, por mais branca que fosse, mais bem vestida e bem tratada, mais rica ou bem casada. Que significava esse medo, esse terror de perdê-la, a raiva repentina contra os fregueses a fitá-la, a dizerem-lhe coisas, sem respeito ao cargo?

Nacib perguntava-se ansioso: afinal que sentia por Gabriela, não era uma simples cozinheira, mulata bonita, cor de canela, com quem deitava por desfastio? Ou não era tão simples assim? Não se animava a procurar a resposta.

A voz de Tonico Bastos veio – «felizmente!», respirou aliviado – arrancá-lo desses pensamentos confusos e assustadores. Mas para outra vez neles mergulhá-lo, neles afundá-lo violentamente. 

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