GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 122
Como ia importar se a
presença dela era mais uma atracção para a freguesia? Nacib logo se deu conta:
demoravam-se mais, pedindo outro trago, os ocasionais passavam a permanentes,
vindo todos os dias. Para vê-la, dizer-lhe coisas, sorrir-lhe, tocar-lhe a mão.
Afinal, que lhe importava,
era apenas sua cozinheira, com quem dormia sem nenhum compromisso. Ela
servia-lhe a comida, armava-lhe a cadeira de lona, deixava a rosa com seu
perfume. Nacib satisfeito da vida, acendia o charuto, tomava dos jornais,
adormecia na santa paz de deus, a brisa do mar a acariciar-lhe os bigodões
florescentes.
Mas nesse começo de tarde
não conseguia dormir. Fazia mentalmente o balanço daqueles três meses e dezoito
dias, agitados para a cidade, calmos para Nacib. Gostaria, no entanto, de
cochilar pelo menos uns dez minutos em vez de deter-se a relembrar coisas à
toa, sem maior importância.
De repente, sentiu que algo
lhe faltava, talvez por isso não conseguisse dormir. Faltava-lhe a rosa cada
tarde encontrada caída no bojo da espreguiçadeira. Ele vira quando o juiz de
Direito, sem dar-se o devido respeito ao seu cargo a furtá-la da orelha de
Gabriela e a pô-la em sua botoeira… Um homem idoso, dos seus cinquenta anos,
aproveitando-se da confusão em torno do engenheiro para roubar a rosa, um juiz…
Ficara com medo de um gesto brusco de Gabriela; ela fez como se não tivesse
percebido.
Esse juiz estava saindo do
sério. Antigamente nunca vinha ao bar na hora do aperitivo, aparecendo apenas,
de quando em vez, à tardinha, com João Fulgêncio ou com o Dr. Maurício. Agora
esquecia todos os preconceitos e, sempre que podia, lá estava no bar, bebendo
um vinho do Porto, rondando Gabriela.
Rondando Gabriela… Nacib
ficou a pensar. Sim, rondando, de súbito dava-se conta. E não era só ele,
muitos outros também… Porque se demoravam além da hora do almoço criando
problemas em casa? Senão para vê-la, sorrir para ela, dizer-lhe gracinhas,
roçar-lhe a mão, fazer-lhe propostas, quem sabe?
De propostas Nacib sabia
apenas de uma feita por Plínio Araçá. Mas aquela dirigia-se à cozinheira.
Fregueses do Pinga de Ouro haviam-se mudado para o Vesúvio, Plínio mandara
oferecer um ordenado maior a Gabriela. Apenas escolhera mal o mediador,
confiando a mensagem ao negrinho Tuísca, fiel do bar Vesúvio, leal a Nacib.
Assim fora o próprio árabe que dera o recado a Gabriela, ela sorriu:
- Quero não… Só se seu Nacib me botar fora…
Ele a tomara nos braços, era
de noite, envolveu-se em seu calor. E aumentou-lhe em dez mil réis o ordenado:
- Tou pedindo não… - disse ela.
Por vezes comprava-lhe um
brinco para as orelhas, um broche para o peito, lembranças baratas, algumas nem
lhe custavam nada, trazia da loja do tio. Entregava-as à noite, ela
enternecia-se, agradecia-lhe humilde, beijando-lhe a palma da mão num gesto
quase oriental.
- Moço bom, seu Nacib…
(Click na imagem da Gabriela... sempre doce, sempre reconhecida, sempre linda!?)
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