terça-feira, junho 12, 2012


GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 122



 Como ia importar se a presença dela era mais uma atracção para a freguesia? Nacib logo se deu conta: demoravam-se mais, pedindo outro trago, os ocasionais passavam a permanentes, vindo todos os dias. Para vê-la, dizer-lhe coisas, sorrir-lhe, tocar-lhe a mão.

Afinal, que lhe importava, era apenas sua cozinheira, com quem dormia sem nenhum compromisso. Ela servia-lhe a comida, armava-lhe a cadeira de lona, deixava a rosa com seu perfume. Nacib satisfeito da vida, acendia o charuto, tomava dos jornais, adormecia na santa paz de deus, a brisa do mar a acariciar-lhe os bigodões florescentes.

Mas nesse começo de tarde não conseguia dormir. Fazia mentalmente o balanço daqueles três meses e dezoito dias, agitados para a cidade, calmos para Nacib. Gostaria, no entanto, de cochilar pelo menos uns dez minutos em vez de deter-se a relembrar coisas à toa, sem maior importância.

De repente, sentiu que algo lhe faltava, talvez por isso não conseguisse dormir. Faltava-lhe a rosa cada tarde encontrada caída no bojo da espreguiçadeira. Ele vira quando o juiz de Direito, sem dar-se o devido respeito ao seu cargo a furtá-la da orelha de Gabriela e a pô-la em sua botoeira… Um homem idoso, dos seus cinquenta anos, aproveitando-se da confusão em torno do engenheiro para roubar a rosa, um juiz… Ficara com medo de um gesto brusco de Gabriela; ela fez como se não tivesse percebido.

Esse juiz estava saindo do sério. Antigamente nunca vinha ao bar na hora do aperitivo, aparecendo apenas, de quando em vez, à tardinha, com João Fulgêncio ou com o Dr. Maurício. Agora esquecia todos os preconceitos e, sempre que podia, lá estava no bar, bebendo um vinho do Porto, rondando Gabriela.

Rondando Gabriela… Nacib ficou a pensar. Sim, rondando, de súbito dava-se conta. E não era só ele, muitos outros também… Porque se demoravam além da hora do almoço criando problemas em casa? Senão para vê-la, sorrir para ela, dizer-lhe gracinhas, roçar-lhe a mão, fazer-lhe propostas, quem sabe?

De propostas Nacib sabia apenas de uma feita por Plínio Araçá. Mas aquela dirigia-se à cozinheira. Fregueses do Pinga de Ouro haviam-se mudado para o Vesúvio, Plínio mandara oferecer um ordenado maior a Gabriela. Apenas escolhera mal o mediador, confiando a mensagem ao negrinho Tuísca, fiel do bar Vesúvio, leal a Nacib. Assim fora o próprio árabe que dera o recado a Gabriela, ela sorriu:

 - Quero não… Só se seu Nacib me botar fora…

Ele a tomara nos braços, era de noite, envolveu-se em seu calor. E aumentou-lhe em dez mil réis o ordenado:

 - Tou pedindo não… - disse ela.

Por vezes comprava-lhe um brinco para as orelhas, um broche para o peito, lembranças baratas, algumas nem lhe custavam nada, trazia da loja do tio. Entregava-as à noite, ela enternecia-se, agradecia-lhe humilde, beijando-lhe a palma da mão num gesto quase oriental.

 - Moço bom, seu Nacib…

(Click na imagem da Gabriela... sempre doce, sempre reconhecida, sempre linda!?)

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