CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 121
Nessa tarde, devido talvez ao anormal
movimento do bar, à excitação da presença do engenheiro, Nacib não conciliava o
sono, tomado por seus pensamentos. A princípio não dera maior importância a
nenhuma das duas coisas: nem à qualidade da comida nem ao corpo da retirante
nas noites ardentes.
Satisfeito com o tempero e a variedade
dos pratos, só lhes deu o verdadeiro valor quando a freguesia começou a
crescer, quando foi preciso aumentar o número de salgados e doces, quando
sucederam-se unânimes os elogios a Plínio Araça, cujos métodos comerciais eram
dos mais discutíveis, mandou fazer uma oferta a Gabriela.
Quanto ao corpo – aquele fogo de amor a
consumi-la no leito, aquela loucura de noites atravessadas insones – prendeu-se
a ele, insensivelmente. Nos primeiros tempos, apenas certas noites a procurava,
quando ao chegar a casa, ocupada ou doente Risoleta, não estava cansado e com
sono. Então decidia deitar-se com ela, á falta de outra coisa a fazer.
Mas durara pouco essa displicência. Logo
habituara-se de tal maneira à comida feita por Gabriela que, convidado a jantar
com Nhô-Galo no dia de seu aniversário, mal provara os pratos, sentindo
diferença na finura do tempero.
E fora, sem o sentir, amiudando as idas ao
quarto do qui ntal, esquecendo a
sabida Risoleta, passando a não suportar o seu carinho representado, suas
manhas, seus eternos queixumes, mesmo aquela ciência do amor que ela usava para
lhe tirar dinheiro. Terminou por não mais procurá-la, não responder a seus
bilhetes, e desde então, há quase dois meses, não tinha outra mulher senão
Gabriela. Agora arribava todas as noites em seu quarto, procurando sair do bar
o mais cedo possível.
Tempo bom, meses de vida alegre, de
carne satisfeita, boa mesa, suculenta; de alma contente, cama de felizardo. No
rol das virtudes de Gabriela, mentalmente estabelecido por Nacib na hora da
sesta, contavam-se o amor ao trabalho e o senso de economia.
Como arranjava tempo e forças para lavar
a roupa, arrumar a casa – tão limpa nunca estivera! – cozinhar os tabuleiros
para o bar, almoço e jantar para Nacib? Sem falar que à noite estava fresca,
descansada, húmida de desejo, não se dando apenas mas tomando dele, jamais
farta, sonolenta ou saciada.
Parecia adivinhar os pensamentos de
Nacib, adiantava-se às suas vontades, reservava-lhes surpresas: certas comidas
trabalhosas das quais ele gostava – pirão de caranguejo, vatapá,
viúva-de-carneiro – flores num copo ao lado do seu retrato na mesinha da sala
de visitas, troco do dinheiro dado para fazer a feira, essa ideia de vir ajudar
no bar.
Antes era Chico Moleza, ao voltar do
almoço, quem trazia para Nacib a marmita preparada por Filomena. A barriga a
dar horas, o árabe esperava impaciente. Ficava só com Bico Fino, a servir os
últimos fregueses do aperitivo.
Um dia, sem prevenir, Gabriela aparecera
com a marmita, vinha lhe pedir licença para ir à sessão espírita, Dª Arminda a
convidara. Ficou ajudando a servir, passou a vir todos os dias. Naquela noite
lhe dissera:
-
É melhor eu levar a comida para o moço. Assim come mais cedo, posso ajudar
também. Importa não?
(Click na imagem de um Nacib feliz com a sua Gabriela vinda do sertão e contratada no "mercado de escravos")
(Click na imagem de um Nacib feliz com a sua Gabriela vinda do sertão e contratada no "mercado de escravos")
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