CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 114
Sobressaltavam-se quando o relógio soava
as doze e meia, iam saindo, deixando gordas gorjetas, que Bico Fino recolhia
com as unhas sujas e ávidas. Iam empurrados pelo relógio, como obrigações, a
contragosto. O bar esvaziava-se, Nacib sentava-se a comer. Ela o servia rodando
em torno da mesa, abrindo a garrafa de cerveja, enchendo-lhe o copo.
O rosto moreno resplandecia, quando ele,
farto, entre dois arrotos – «é bom para a saúde», explicava – elogiava os
pratos. Recolhia as marmitas, Chico Moleza aparecia de volta, era a vez de Bico
Fino ir almoçar. Gabriela armava a espreguiçadeira num terreno por detrás do
bar, plantado de árvores, dando para praça. Dizia «até logo seu Nacib», voltava
para casa.
O árabe acendia o charuto de São Félix,
tomava dos jornais da Bahia, atrasados de uma semana, ficava a espiá-la
desaparecer na curva da igreja, seu andar de dança, seus quadris marinheiros.
Já não levava a flor na orelha, metida nos cabelos. Ele a encontrara na espreguiçadeira,
teria caído por acaso, ao curvar-se a moça, ou a retirara ela da orelha e a
deixara ali de propósito? Rosa rubro, com cheiro de cravo, perfume de Gabriela.
Do Esperado Hóspede Indesejável
Eufóricos, o Capitão e o Doutor
apareceram cedo no bar Vesúvio comboiando um homem de uns trinta e poucos anos,
de rosto aberto e ar desportivo.
Antes mesmo que o apresentassem, Nacib
adivinhou tratar-se do engenheiro. Desencantara, afinal, o tão esperado e
discutido cidadão…
- Dr. Rómulo Vieira, engenheiro do
Ministério de Viação.
-
Muito prazer, doutor. Um seu criado…
-
O prazer é meu.
Ali estava ele, o rosto queimado do sol,
o cabelo cortado quase rente, uma pequena cicatriz na testa. Apertava com força
a mão de Nacib. O Doutor sorria tão feliz como se exibisse parente próximo e
ilustre ou mulher de rara beleza.
O Capitão pilheriava:
-
Esse árabe é uma instituição. É ele quem nos envenena com bebida falsificada,
rouba-nos ao pocker, sabe da vida de todo o mundo.
-
Não diga isso, Capitão. O que é que o doutor vai pensar?
-
Um bom amigo, rectificava o Capitão. – Pessoa de bem.
O engenheiro sorria, um tanto
contrafeito, a olhar com desconfiança a praça e as ruas, o bar, o cinema, as
casas próximas, em cujas janelas surgiam olhos curiosos.
Sentaram-se em torno de uma das mesas do
passeio. Glória surgia da janela, molhada do banho, os cabelos por pentear, num
desalinho matinal. Logo descobria o forasteiro, cravava-lhe os olhos, corria
para dentro a embelezar-se.
-
Um pancadão de mulher, hem? – O Capitão explicava-lhe Glória solitária.
Nacib qui s
servi-los pessoalmente, trouxe pedaços de gelo num prato, a cerveja apenas
estava fria. Afinal chegara o engenheiro!
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