GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 113
Exclamações ressoavam à sua
entrada: aquele passo de dança, os olhos baixos, o sorriso espalhando-se dos
seus lábios para todas as bocas. Entrava dizendo «bom dia» por entre as mesas,
ia direita para o balcão, depositava a marmita.
Habitualmente, àquela hora,
o movimento deveria ser mínimo, um ou outro retardatário a apressar-se para
casa. Mas, pouco a pouco, os fregueses foram prolongando a hora do aperitivo,
medindo o tempo pela chegada de Gabriela, bebendo um último trago após a sua
aparição no bar.
- Desce um «rabo-de-galo», Bico fino.
- Dois vermutes aqui …
- Saímos para outra? – Os dados ressoavam no
copo de couro, rolavam sobre a mesa – Trinca de reis em uma…
Ela ajudava a servir, para
mais depressa o movimento acabar, senão a comida esfriaria na marmita, perderia
o gosto. Os chinelos arrastando-se no cimento, os cabelos amarrados com uma
fita, o rosto sem pintura, as ancas de dança. Ia por entre as mesas, um lhe
dizia galanteios, outro a fitava com olhos súplices, o doutor batia-lhe
palmadinhas na mão, chamava-a “minha menina”.
Ela sorria para uns e
outros, parceria uma criança não fossem as ancas soltas. Uma súbita animação
percorria o bar, como se a presença de Gabriela o tornasse mais acolhedor e
íntimo.
Do balcão, Nacib a via
aparecer na praça, a rosa na orelha, presa nos cabelos. Semicerravam-se os
olhos do árabe: a marmita cheia de comida gostosa, àquela hora sentia-se
esfomeado, contendo-se para não devorar os pastéis e empadas de camarão, os
bolinhos dos tabuleiros.
E a entrada de Gabriela
significaria mais uma rodada de bebida em quase todas as mesas, aumentou o
lucro. Ao demais era um prazer para os olhos vê-la no meio-dia, rememorar a
noite passada, imaginar a próxima.
Por baixo do balcão a
beliscava, passava-lhe a mão sob as saias, tocava-lhe os peitos. Gabriela ria
então em surdina, era gostoso.
O Capitão a reclamava.
De aluna a tratava, um falso
ar paterno, desde um dia quando tentara, no bar quase vazio, ensinar-lhe os
mistérios do gamão. Ela rira sacudindo a cabeça, além do «jogo do burro» não
conseguira aprender nenhum outro. Mas ele, nas conclusões das partidas
prolongadas em jogadas lentas para a ver chegar, reclamava sua presença nos
lances decisivos:
- Venha aqui
me dar sorte…
Por vezes a sorte era para
Nhô-Galo, para o sapateiro Felipe ou para o Doutor:
- Obrigado, minha menina, Deus lhe faça ainda
mais bela – O doutor batia-lhe levemente na mão.
- Mais bela? Impossível! – protestava o
Capitão, abandonando o ar paternal.
Nhô-Galo não dizia nada,
apenas olhava. O sapateiro Felipe elogiava-lhe a rosa na orelha:
- Ah! Mis vinte años…
Reclamava de Josué, porque
não fazia ele um soneto para aquela flor, aquela orelha, aqueles olhos verdes?
Josué respondendo que um soneto era pouco, faria uma ode, uma balada.
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