GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 164
Na sala, a mulher o
esperava, encolhida de medo. Parecia a imagem de santa macerada, o negro
Fagundes tinha razão.
- Onde ela está?
- Subiu para o quarto.
- Mande descer.
Esperou na sala, a bater o
rebenque contra a bota. Malvina entrou, a mãe ficou na porta de comunicação. De
pé ante ele, a cabeça erguida, tensa, orgulhosa, decidida, Malvina aguardou. A
mãe aguardava também, os olhos de medo, Melk andou na sala.:
- Que tem a dizer?
- A respeito de quê?
- Respeito me tenha! – gritou – Sou seu pai,
baixe a cabeça. Sabe do que falo. Como me explica esse namoro? Ilhéus não trata
de outra coisa, até na roça chegou. Não me venha dizer que não sabia que era
homem casado, ele não escondeu. Que tem a dizer?
- Que adianta dizer? O senhor não vai
compreender. Aqui ninguém pode
compreender. Já lhe disse, meu pai, mais de uma vez: não me vou sujeitar a
casamento escolhido por parente, não vou me enterrar na cozinha de nenhum
fazendeiro, ser criada de nenhum doutor de Ilhéus. Quero viver a meu modo.
Quando sair, no fim do ano, do colégio, quero trabalhar, entrar num escritório.
- Tu não tem querer. Tu há-de fazer o que eu
ordenar.
- Eu só vou fazer o que eu desejar…
- Cale a boca, desgraçada!
- Não grite comigo, sou sua filha, não sou sua
escrava.
- Malvina! – exclamou a mãe – Não responda
assim a meu pai. Malvina rugiu:
- Pois vou embora com ele, fique sabendo.
- Ai meu Deus!... – A mãe cobriu o rosto com
as mãos.
- Cachorra! – Levantou o rebenque, nem reparava
onde batia.
Foi nas pernas, nas nádegas,
nos braços, no rosto, no peito. Do lábio partido o sangue escorreu, Malvina
gritou:
- Pode bater. Vou embora com ele!
- Nem que te mate…
Num repelão, atirou-a para
cima do sofá. Ela caiu de bruços, novamente ele levantou o braço, o rebenque
subia e descia, silvava no ar. Os gritos de Malvina ecoavam na praça.
A mãe suplicava em choro, a
voz medrosa:
- Basta, Melk, basta…
Depois, de repente, se
atirou da porta, agarrou-lhe a mão:
- Não mate a minha filha!
Parou, arquejante, Malvina
agora apenas soluçava no sofá.
- Pró quarto! Até segunda ordem não pode sair.
No bar, Josué apertava as mãos,
mordia os lábios. Nacib sentia-se acabrunhado, João Fulgêncio abanava a cabeça.
Na sua janela, Glória sorriu
tristemente.
Alguém disse:
- Parou de bater.
Da virgem no rochedo
Negros rochedos crescendo do
mar, contra seu flanco de pedra as ondas rebentavam em espuma branca. Caranguejos
de assustadoras garras surgiram de recônditas cavidades.
De manhã e de tarde,
moleques escalavam ágeis a penedia, brincando de jagunços e coronéis. De noite
ouvia-se o barulho da água mordendo a pedra, infatigável. Por vezes uma luz
estranha nascia na praia, subia pela rocha, perdia-se nos desvãos, reaparecia
nas grimpas.
Os negros diziam ser
bruxaria das sereias, das aflitas mães-d’água, Dª Janaína em fogo verde
transformada. Suspiros rolavam, ais de amor no escuro da noite. Os mais pobres
casais, mendigos, malandros, prostitutas sem pouso, faziam sua cama de amor na
praia escondida entre os rochedos, embolavam na areia. Rugia em frente o mar
bravio, dormia atrás a bravia cidade.
(Há sempre uma luz que representa a esperança num futuro melhor...)
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