GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 166
-
O que foi que eu te disse? Aconteça o que acontecer, não largue a clareira.
Porque tu largou?
Tremia a mão da mãe no curativo,
franzino era o tio, não nascera para brigas, tiroteios na noite. Curvou a cabeça.
-
Tu vai voltar. Tu e os cabras. Agora mesmo.
-
Eles vão atacar novamente.
-
Não quero outra coisa. Quando atacarem, vou com mais cabras, cerco por trás,
acabo com eles. Se tu não tivesses fugido com o primeiro tiro, eu já tinha
acabado.
O tio assentiu, Malvina assistira:
Aloísio montara a cavalo, olhara a casa a varanda, o curral adormecido, os
cachorros latindo. Um olhar derradeiro, de última vez.
Saíra com os cabras, os outros estavam
no terreno esperando. Quando os tiros soaram, seu pai ordenou:
-
Vamos!
-
Regressou com a vitória, acabara com os Alves. No cavalo, de bruços, o corpo do
tio. Era um homem bonito, cheio de alegria.
De quem herdara Malvina esse amor à
vida, essa ânsia de viver, esse horror à obediência, a curvar a cabeça, a falar
baixo na presença de Melk? Dele mesmo talvez.
Odiara desde cedo a casa, a cidade, as
leis, os costumes. A vida humilhada da mãe a tremer ante Melk, a concordar, sem
ser consultada para os negócios. Ele chegava, dizia ordenando:
-
Te prepara. Hoje nós vamos no cartório de Tonico assinar uma escritura.
Ela nem perguntava escritura de quê, se
comprava ou vendia, nem procurava saber. Sua festa era a Igreja, Melk com todos
os direitos, de tudo decidindo. A mãe cuidando da casa, era seu único direito.
O pai nos cabarés, nas casa de mulheres, gastando com raparigas, jogando nos
hotéis, nos bares, com os amigos bebendo. A mãe a fenecer em casa, a ouvir e a
obedecer.
Macilenta e humilhada, com tudo conforme,
perdera a vontade, nem na filha mandava. Malvina jurara, apenas mocinha, que
com ela não seria assim. Não se sujeitaria. Melk fazia-lhe vontades, por vezes
ficava a estudá-la, cismando.
Reconhecia-se nela, em certos detalhes,
no desejo de ser. Mas a exigia obediente. Quando ela lhe dissera querer estudar
ginásio e depois Faculdade, ele decretara:
-
Não quero filha doutora. Vai pró Colégio das freiras aprender a costurar,
contar e ler, gastar seu piano. Não precisa de mais. Mulher que se meta a
doutora é mulher descarada, que quer se perder.
Dera-se conta da vida das senhoras
casadas, igual à da mãe. Sujeitas ao dono. Pior do que freira. Malvina jurara
para si mesma que jamais, jamais, nunca jamais se deixaria prender.
Conversavam no pátio do colégio, juvenis
e risonhas, filhas de pais ricos. Os irmãos na Baía, nos ginásios e Faculdades.
Com direito a mesadas, a gastar dinheiro, a tudo fazer. Elas só tinham para si
aquele breve tempo de adolescência.
(Há mulheres de rara coragem que não são acessíveis à maior parte dos homens... Malvina, filha do coronel Melk, era uma delas)
(Há mulheres de rara coragem que não são acessíveis à maior parte dos homens... Malvina, filha do coronel Melk, era uma delas)
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