HOJE É DOMINGO
(Na minha cidade Santarém)
(Na minha cidade Santarém)
Acabo de me sentar ao computador ainda
com as imagens gravadas nos meus olhos dos corredores da maratona, quenianos, etíopes,
ugandeses, africanos na generalidade, aos quais me apetece chamar de “máqui nas de correr”.
Lembrei-me, por isso, do que em tempos
aprendi num documentário da especialidade, que esta capacidade de correr a
estes ritmos e por períodos de tempo que desafiam a exaustão, terá sido
importante para a sobrevivência dos nossos antepassados em África.
Naquelas savanas infindáveis, os nossos “avós”
africanos eram capazes de correr atrás de gnus, palancas, zebras e vencê-los
pelo cansaço em corridas que terminavam pelo completo esgotamento dos animais.
O segredo não era, como hoje se faz, os
“treinos especializados em altitude” mas, tão sòmente, pelo mecanismo
maravilhoso do organismo humano de arrefecimento do seu “motor” propulsor que
os seus competidores de quatro patas não possuíam.
Nós suamos e o líqui do
do suor ao evaporar-se à superfície da pele provoca o arrefecimento da
temperatura do corpo, uma maravilhosa tecnologia sem a qual os animais com o
seu único dispositivo de boca aberta e língua de fora, não podiam competir… Depois,
foram pequenos “ajustamentos” e treino, muito treino, não ao longo de uma vida mas de
muitas e muitas gerações através das savanas africanas.
Pronto, está resumidamente explicado…
entreguem a um representante destes povos as respectivas medalhas olímpicas.
Ah, mas nós tivemos o Carlos Lopes…pois,
mas eles têm centenas que correm e ganham maratonas por esse mundo fora e uma
andorinha não faz a primavera.
A POUCO RECOMENDÁVEL IDADE MÉDIA
Prometido é devido. Vamos acabar a
história verídica da visita do nosso primeiro Rei Afonso Henriques,
apropriadamente denominado o Conqui stador,
ao seu fiel amigo e apoiante, conde D. Gonçalo de Sousa.
“… A grande divisão da sala em que o rei
conversava com a condessa tinha, junto da mesa comprida, um tapete que
consistia na pele de um urso decapitado. Ao lado da lareira, na parede de pedra
sem qualquer espécie de reboco, estava dependurada uma tapeçaria de desenhos
rudimentares toda furada pelas traças.
Dois grandes cães dormitavam a um palmo
das chamas que pareciam chamuscar-lhes os lombos que subiam e desciam aceleradamente
ao compasso da respiração.
A mulher do conde, branca e loura como
descendente que era dos Suevos que tinham estabelecido séculos atrás um efémero
reino no noroeste peninsular e que haveriam de ser absorvidos pelos também germânicos
Visigodos, usava umas tranças fininhas, que enrolava sobre as orelhas a imitar os
actuais auscultadores que os jovens e os atletas usam para ouvirem música e descontraírem.
Colocava por vezes na cabeça um toucado
cónico, outras um chapelinho circular. Quando estava sozinha no quarto gelado
onde o frio entrava por entre as frinchas das portadas da janela sem vidraças,
gostava de contemplar o seu corpo nu no pesado espelho de metal polido, já que
os de vidro, oriundos de Veneza eram raros e muito caros.
Agora, ali na sala, sorria e baixava os
olhos quando o rei lhe dirigia a palavra, ela no seu banco desconfortável, ele
erguendo-se do coxim lustroso de sebo onde estivera sentado e aproximando-se da
anfitriã.
Quando o conde regressou à sala, vindo
da cozinha, deparou com o rei a fazer amor com a condessa, sua mulher, sobre a
pele de urso, enquanto os galgos, meio acordados, arrebitavam as orelhas e
olhavam a cena com a língua pendente, sem intervirem.
Escusado será dizer que D. Gonçalo não
gostou da cena que viu mas, tratando-se do seu rei, não se atreveu a erguer a
voz ou a mão.
O jantar decorreu como estava previsto
mas com uma cordialidade ruidosa mas um tanto falsa enquanto uma aragem gelada
atravessava a mesa e abanicava as chamas das velas.
Porém, como não podia deixar de ser, mal
o rei seguiu caminho sem ter pedido outra hospedagem que não fosse a do jantar,
a fúria do conde abateu-se sobre a mulher o que não admira por ser a parte mais
fraca.
Rapou-lhe o cabelo e devolveu-a de manhãzinha
cedo para casa dos pais montada numa mula sobre uma simples albarda de
serapilheira e montada voltada para a garupa do animal.
O sinal de degradação não era a mula
pois os cavalos, tal como os espelhos venezianos, eram raros e caros e era
vulgar os nobres e guerreiros caçarem e combaterem no dorso das muares. O próprio
Afonso Henriques cavalgava uma mula e séculos mais tarde, D. Nuno Álvares Pereira
combateria em Aljubarrota sobre a sua mula preferida.
O verdadeiro motivo de humilhação para a
condessa era o cabelo rapado, a albarda de estopa em vez de cabedal e, acima de
tudo, ir montada ao contrário, voltada para a garupa, andando para trás como o
diabo.
(Este texto é de autoria de Luís Almeida
Martins e foi publicado na revista Visão)
<< Home