GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 186
- Novelas, no! Prosa de combate, de
essas que removem montanhas e cambiam el mundo. O senhor já leu Kropotkine?
O poeta ilustre vacilou. Quis dizer que
sim, o nome lhe era conhecido, achou melhor sair com uma grande frase:
-
A poesia está acima da política.
-
Y yo me cago en la poesia, senor mio – Estendia o dedo – Kropotkine es el más
grande poeta de todos los tiempos!
Só muito exaltado ou muito bêbado falava
espanhol sem mistura. – Mayor que él solo la dinamita. Viva la anarqui a!
Já chegara alterado ao bar, e ali
continuara a beber. Isso se passava exactamente uma vez por ano, e só uns
poucos sabiam ser a forma como ele comemorava a morte de um irmão, fuzilado
numa parada em Barcelona, muitos anos atrás.
Esse, sim, fora realmente um anarqui sta militante, cabeça de vento e fogo, coração
sem medo. Felipe recolhera seus folhetos e livros, mas não levantara sua
bandeira rota. Preferira sair de Espanha para escapar das suspeitas a
envolvê-lo devido ao seu parentesco.
Ainda agora, porém, mais de vinte anos
passados, fechava a oficina e embebedava-se no dia do aniversário da parada e
das mortes na rua. Jurando voltar à Espanha para explodir bombas e vingar o
irmão.
Bico Fino e Nacib conduziram o
comemorativo espanhol para o reservado do pocker onde ele podia beber à vontade
sem incomodar ninguém. Felipe apostrofava Nacib.
-
Que hiciste, serraceno infiel, de mi flor roja, de l agracia de Gabriela? Ténia
ojos alegres, era una cancion, una alegria, una fiesta. Por quê la robaste para
ti solamente, la pusiste em prisón? Sucio burguês…
Bico Fino trazia-lhe a garrafa da
cachaça, botava-a na mesa.
O Doutor explicava ao poeta os motivos
da bebedeira do espanhol, pedia-lhe desculpas. Felipe era um homem
habitualmente muito educado, cidadão estimável, apenas uma vez por ano…
-
Compreendo perfeitamente. Um pifãozinho de vez em quando, isso se passa com
pessoas até da mais alta-roda. Eu também não sou abstémio. Tomo a minha
pingazinha…
Disso Ribeirinho entendia: de bebidas.
Sentiu-se em terreno familiar e iniciou uma prelecção sobre os diversos tipos
de cachaça. Em Ilhéus fabricavam uma, óptima, a «cana de Ilhéus»; era quase
toda vendida para a Suíça, onde a bebiam como uísque.
O Mister – «o inglês director da Estrada
de Ferro», explicava a Argileu – não bebia outra coisa. E era competente na
matéria…
A explanação foi diversas vezes
interrompida. Com a hora do aperitivo chegavam os fregueses, iam sendo
apresentados ao vate. Ari Santos envolveu-o num abraço estreito, apertando-o
contra si. Muito o conhecia de nome, e de leitura; aquela visita a Ilhéus
ficaria nos anais da vida cultural da cidade.
O poeta, babado de gozo, agradecia. João
Fulgêncio estudava-lhe o cartão, guardou-o cuidadosamente no bolso.
(Click na imagem, A paisagem é desoladora mas ela está deslumbrante...)
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