terça-feira, setembro 11, 2012


GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 189


Dos equívocos da Sr.ª Saad

Era o último dos circos. O negrinho Tuísca abanava a cabeça, parado ante o vacilante mastro, quase tão pequeno como um mastro de saveiro. Menor e mais vagabundo era impossível. O pano de lona do toldo esburacado como céu em noite de estrelas ou o vestido da maluca Maria Me Dá.

Não era muito maior do que a banca de peixe, mal a escondia no descampado do porto. Não fora a provada lealdade a caracterizá-lo e o negrinho Tuísca ter-se-ia completamente desinteressado do Circo Três Américas.

Que diferença para o Grande Circo Balcânico, com seu pavilhão monumental, as jaulas das feras, os quatro palhaços, o anão e o gigante, os cavalos amestrados, os trapezistas de toda a intrepidez. Fora uma festa na cidade. Tuísca não perdera espectáculo. Abanava a cabeça.

Amores e devoções obrigavam-se em seu pequeno e cálido coração. A negra Raimunda, sua mãe, agora felizmente melhorada do reumatismo, a lavar e a engomar roupa; a pequena Rosinha, de cabelos de oiro, filha de Tonico Bastos, sua secreta paixão; dona Gabriela e seu Nacib; as boas irmãs Dos Reis; seu mano Filó, herói das estradas, rei do volante, majestoso na direcção de caminhões e marinetes. E os circos.

Desde que se entendia, não se levantara em Ilhéus  pavilhão de circo sem seu decidido apoio, sua prestimosa colaboração: acompanhando o palhaço nas ruas, ajudando os mata-cachorros, comandando entusiasta claque de moleques, fazendo recados, infatigável e indispensável.

Não amava os circos apenas como a diversão suprema, o mágico espectáculo, a tentadora aventura. Vinha a eles como alguém que cumpre o seu destino. E, se com um deles, ainda não partira, devia-se ao reumatismo de Raimunda. Sua ajuda era necessária em casa. Os níqueis que apurava em variados misteres: de consciencioso engraxate a esporádico garçon, de vendedor de apreciados doces das irmãs Dos Reis a discreto portador de bilhetes amorosos, a exímio ajudante do árabe Nacib na manipulação das bebidas. Suspirou ante tanta pobreza do circo recém-chegado.

Vinha o circo Três Américas agonizando pelos caminhos. O único animal, um velho leão desdentado, doaram-no à Intendência de Conquista, agradecendo passagens fornecidas e por não poderem sustentá-lo. “Presente de grego”, dissera o Intendente. Em cada praça desertavam artistas, sem sequer reclamarem os atrasados salários.

Converteram em comida tudo o que puderam, até os tapetes do picadeiro. O elenco reduzira-se à família do director: a mulher, as duas filhas casadas, a solteirona, os dois genros, e um vago parente que era bilheteiro e comandava depois os mata-cachorros.

Entre os sete, revezavam-se no picadeiro em números de equilibrismo, em saltos mortais, comendo espadas e fogo, andando no arame, fazendo truques com cartas, levantando marombas pintadas de negro, reunindo-se para as «pirâmides humanas». O velho director era palhaço, ilusionista e tocava música num serrote, a cujo som dançavam as três filhas.

Juntavam-se na segunda parte do espectáculo para representar A Filha do Palhaço, mistura de chanchada e dramalhão, «hilariante e comovente tragicomédia, que faz o distinto público rir às gargalhadas e chorar aos soluços».

(Click na imagem. A senhora pede desculpa por estar de costas mas não é que esteja zangada, apenas lhe dá mais jeito...)
  

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