DOMINGO
(Da minha cidade
Santarém)
Estou perplexo, por vezes não sei o que pensar dos
meus patrícios:
-
Por um lado, centenas de milhares deles saíram para a rua no sábado passado,
como vos contei, e protestaram com um grau de civismo e uma postura exemplares;
inclusive, um dos nossos maiores produtores de calçado – empresa de mão-de-obra
intensiva – afirmou, na Feira de Calçado de Milão, que o dinheiro que vier a
recolher da TSU, como patrão, iria directamente para os seus trabalhadores, num
gesto de solidariedade social.
-
Por outro lado, quase dois milhões de portugueses gastaram o seu tempo a ver o
novo programa da Casa dos Segredos conduzido por aquela palerminha tagarela que
dá pelo nome de Tereza Guilherme.
É isto que vos gostava de transmitir dos
meus patrícios, eles são uma mistura de “coisas”: por um lado, embalam em massa
nesse programa andrajoso da Casa dos Segredos – não sou testemunha, falo pela
crítica isenta e especializada que li – mas por outro, sabem mostrar com toda a
dignidade e civismo o sofrimento e as preocupações porque passam neste momento.
Mas, o que havemos de fazer? – Parece
haver na natureza humana uma parte sórdida que muitos de nós não conseguem
dominar pela razão e bom senso. Temos a noção de que aqui lo
é mau, é lixo, mas esquecemos que vende à distância de um click num botão do
comando da televisão próximo de nós.
Infelizmente, tem um mercado garantido e
quanto pior mais vende. O espectáculo está, precisamente, na sua péssima
qualidade, essa é a base do seu sucesso. Não tentem melhorá-lo, não procurem
dar-lhe alguma dignidade, no outro dia as audiências baixariam e isso é a única
coisa que eles não desejam.
As
pessoas que lutaram para estar ali, naquele programa, dispostas a tudo para
serem uma “celebridade”, que representa a oportunidade da vida delas, não foram
escolhidas pelas suas qualidades ou atributos mas apenas pelo seu descaramento
assumido, escancarado, incapazes de um juízo crítico sobre si próprios, de se
avaliarem a si mesmas.
Apenas uma coisa eles sabem: estão numa
sociedade mediatizada e alguém quer ganhar dinheiro com eles o que os deixa
honrados, satisfeitos e vaidosos consigo próprios, não importa o que tenham de
fazer ou dizer.
Amanhã serão esquecidos, ignorados como
todos os outros antes deles o foram mas tiveram o seu momento de fama e isso é
mais, muito mais, do que eles esperavam para si próprios na vida.
Por momentos fecho os olhos, tenho um
pesadelo: recuei no tempo, estou numa caverna onde
se recolhe um grupo de antepassados nossos, homens primitivos. É de noite,
presume-se que estejam todos a dormir. Vejo uma figura de mulher trajando
farrapos, cabelos compridos, desgrenhada, desloca-se como um fantasma, mal pisa
o chão, atrás de si um grupo de zombis, muitos deles ainda a saírem das
sepulturas. Ela condu-los e vai espiando, eles seguem-na. Ela perscruta,
pretende ver e ouvir no seio daquele grupo de homens e mulheres que
aparentemente repousam, palavras e cenas que não se destinam a ser ouvidas e
vistas… reconheço-a agora: é a Tereza Guilherme.
Abro os olhos, sacudo a cabeça e o pesadelo…
Será que a realidade já não me basta?!
Não, não me engano, não é para se distraírem
da realidade que quase dois milhões de patrícios meus procuram a Tereza
Guilherme e o seu programa, o mesmo que a SIC, já há uns bons anos atrás,
recusou passar no seu Canal e que a TVI aproveitou para fazer disparar as suas
audiências… é que nem todos têm os mesmos escrúpulos.
Não, os meus patrícios, gostam mesmo daqui lo, aquelas cenas sórdidas e de mau gosto mexem
com eles, chafurdam nelas deliciados, alimentam o seu primitivismo social
quando tudo se resumia a uma disputa de sexo e alimento no quadro de uma gruta
idêntica à do meu pesadelo. Como na Casa dos Segredos não falta o alimento, resta a intriga baixa e reles, curiosidade mórbida e sexo manhoso.
(Click na imagem. O medo que eu tive que deitassem a baixo esta pinheira a quando da construção da rotunda)
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