sexta-feira, outubro 05, 2012

Quando não emergem da água rastejam sobre a areia da praia

GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 210


No bar de Nacib, o árabe corria de mesa em mesa a ouvir os comentários. João Fulgêncio anunciava:

 - Nenhuma mudança na sociedade é feita sem sangue. Esse crime é mau sinal para Ramiro Bastos. Ainda se houvesse liquidado o homem, poderia talvez dividir Itabuna. Mas agora, é que o prestígio de Aristóteles vai crescer. E não vamos ser súbitos de Tonico, o Bem Amado. Vai começar o reinado de Mundinho, o Alegre.

Cochichava-se também acerca do estado de saúde do coronel Ramiro, apesar do segredo que a família tentara guardar. Tonico e Alfredo não arredavam pé de seu lado. Dizia-se estar o velho à morte. Notícia desmentida à noite por Josué e pelo Doutor.

O sucedido com o Doutor foi curioso. Líder importante da campanha de Mundinho, jantara, no entanto, cordialmente com Ramiro e sua família, na tarde do atentado.

Havia sido convidado na véspera, com Ari e Josué, para um jantar em casa de um combatido adversário, em homenagem ao vate. Aceitou: a oposição política não alterara as suas boas relações pessoais com os Bastos.

Apesar dos artigos violentos, de sua autoria, no Diário de Ilhéus. Naquele dia haviam ido de passeio, ele, o poeta e Josué, almoçar num sítio de coqueiros além do Pontal, deliciosa moqueca regada a cachaça, oferecida pelo Dr. Helvécio Marques, advogado e boémio. Demoraram-se por lá. Voltaram correndo ao hotel para o poeta botar uma gravata e partiram directos para a casa de Ramiro. Josué bem que chamou a atenção para o movimento inabitual das ruas, mas não lhe deram maior importância. Enquanto isso, Ari Santos, no bar, calculou que o convite houvesse sido cancelado e lá não foi.

Alegre não se pode dizer que tivesse transcorrido o jantar. Havia uma atmosfera apreensiva e tensa. Atribuíram a não ter o coronel passado bem pela manhã. Os filhos até não queriam que ele viesse à mesa, mas Ramiro fez questão, se bem nada comesse. Tonico estava estranhamente calado, Alfredo não conseguia manter-se atento à conversa. Sua esposa, dirigindo as copeiras, tinha os olhos pisados como se tivesse chorado. Era Jerusa quem animava a mesa, cutucando o pai para que respondesse quando lhe falavam, conversando com o poeta e o Doutor, enquanto Ramiro, imperturbável, interrogava Josué sobre os alunos do colégio de Enoch.

De quando em vez a conversa morria, Ramiro e Jerusa a animavam. Foi numa dessas vezes que se travou, entre a moça e o vate, um diálogo glosado depois nos bares:

 - O senhor é casado, Dr. Argileu? – perguntava amável, Jerusa.

 - Não, senhorita – respondeu o poeta com a sua voz de trovão.

 - Viúvo? Coitado… Deve ser triste.

 - Não, senhorita. Não sou viúvo…

 - Ainda é solteiro? Dr. Argileu, já é tempo de casar.

 - Não sou solteiro, senhorita.

Confusa e sem malícia, Jerusa forçou:

 - Então o que é que o senhor é, Dr. Argileu?

 - Amancebado, senhorita – respondeu, inclinando a cabeça.

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