Quando não emergem da água rastejam sobre a areia da praia |
GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 210
No bar de Nacib, o árabe
corria de mesa em mesa a ouvir os comentários. João Fulgêncio anunciava:
- Nenhuma mudança na sociedade é feita sem
sangue. Esse crime é mau sinal para Ramiro Bastos. Ainda se houvesse liqui dado o homem, poderia talvez dividir Itabuna. Mas
agora, é que o prestígio de Aristóteles vai crescer. E não vamos ser súbitos de
Tonico, o Bem Amado. Vai começar o reinado de Mundinho, o Alegre.
Cochichava-se também acerca
do estado de saúde do coronel Ramiro, apesar do segredo que a família tentara
guardar. Tonico e Alfredo não arredavam pé de seu lado. Dizia-se estar o velho
à morte. Notícia desmentida à noite por Josué e pelo Doutor.
O sucedido com o Doutor foi
curioso. Líder importante da campanha de Mundinho, jantara, no entanto,
cordialmente com Ramiro e sua família, na tarde do atentado.
Havia sido convidado na
véspera, com Ari e Josué, para um jantar em casa de um combatido adversário, em
homenagem ao vate. Aceitou: a oposição política não alterara as suas boas
relações pessoais com os Bastos.
Apesar dos artigos
violentos, de sua autoria, no Diário de Ilhéus. Naquele dia haviam ido de
passeio, ele, o poeta e Josué, almoçar num sítio de coqueiros além do Pontal,
deliciosa moqueca regada a cachaça, oferecida pelo Dr. Helvécio Marques,
advogado e boémio. Demoraram-se por lá. Voltaram correndo ao hotel para o poeta
botar uma gravata e partiram directos para a casa de Ramiro. Josué bem que
chamou a atenção para o movimento inabitual das ruas, mas não lhe deram maior
importância. Enquanto isso, Ari Santos, no bar, calculou que o convite houvesse
sido cancelado e lá não foi.
Alegre não se pode dizer que
tivesse transcorrido o jantar. Havia uma atmosfera apreensiva e tensa.
Atribuíram a não ter o coronel passado bem pela manhã. Os filhos até não
queriam que ele viesse à mesa, mas Ramiro fez questão, se bem nada comesse.
Tonico estava estranhamente calado, Alfredo não conseguia manter-se atento à
conversa. Sua esposa, dirigindo as copeiras, tinha os olhos pisados como se
tivesse chorado. Era Jerusa quem animava a mesa, cutucando o pai para que
respondesse quando lhe falavam, conversando com o poeta e o Doutor, enquanto
Ramiro, imperturbável, interrogava Josué sobre os alunos do colégio de Enoch.
De quando em vez a conversa
morria, Ramiro e Jerusa a animavam. Foi numa dessas vezes que se travou, entre
a moça e o vate, um diálogo glosado depois nos bares:
- O senhor é casado, Dr. Argileu? – perguntava
amável, Jerusa.
- Não, senhorita – respondeu o poeta com a sua
voz de trovão.
- Viúvo? Coitado… Deve ser triste.
- Não, senhorita. Não sou viúvo…
- Ainda é solteiro? Dr. Argileu, já é tempo de
casar.
- Não sou solteiro, senhorita.
Confusa e sem malícia,
Jerusa forçou:
- Então o que é que o senhor é, Dr. Argileu?
- Amancebado, senhorita – respondeu,
inclinando a cabeça.
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