domingo, novembro 18, 2012

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HOJE É DOMINGO
(Da minha cidade de Santarém)


Ângela Merkel, como estava combinado, visitou-nos na passada Segunda-Feira. Visita rápida, curta, a fazer lembrar as de médico. Foi-se embora sem deixar na mesa-de- cabeceira a receita da mézinha que curasse a doença ou atenuasse o mal do doente.

Mas foi bom que ela tivesse vindo porque permitiu que expurgássemos de forma um pouco mais veemente e até com laivos artísticos, ódios e frustrações que nos envenenam o espírito. É bom termos alguém em quem concentrar as raivas que nos vão na alma, mais ou menos como acontece quando vamos aos estádios de futebol e chamamos nomes ao árbitro.

O dia estava lindo: o Sol, o Oceano Atlântico, o Céu, a Temperatura, o Grau de Humidade, tudo, mesmo tudo, esteve deslumbrante… A mim, que sou de cá e já estou habituado a tanta beleza natural, o que me meteu mesmo mais inveja foi o cabrito assado no forno, meu prato favorito e que fazia parte da ementa do almoço.

Estou certo que o cozinheiro se esmerou pois não é todos os dias que se pode impressionar pelo paladar, ao que dizem, a patroa da Europa, tanto mais que ela teve uma infância e juventudes difíceis lá na Alemanha de Leste, do sério e austero Presidente Erick Honecker, onde quase tudo era escasso e racionado excepção feita à autoridade despótica e ao poder do regime comunista.

O cenário da recepção contrastou:

 - Por um lado, o Centro Cultural de Belém, a fazer lembrar o bunker, aquele buraco tenebroso onde todos tremiam de medo de um fuhrer cada vez mais louco e que antes de dar um tiro na cabeça se preocupou em ordenar, expressamente, que os jovens da sua Juventude Hitleriana, crianças entre os seis e os dezoito anos, rapazes e raparigas, continuassem na guerra a matar pessoas. Morrer a pensar na execução dessas ordens adoçava-lhe a morte…

 - Do outro, aquele espectáculo maravilhoso do mar por onde se estende o olhar e se reconforta a alma. Agasalhada no seu inseparável e deselegante casaco branco, Ângela Merkel, espraiou a vista, encheu o peito de ar e questionou-se, na intimidade dos seus pensamentos, por que éramos nós, portugueses, morenaços, mandriões e corruptos, os donos daquela paisagem que ela nunca desfrutou na sua cinzenta, húmida e fria Berlim Leste.

Se o seu pai fosse vivo, ela perguntar-lhe-ia, na sua qualidade de pastor luterano, por que Deus cometia estas injustiças na distribuição pelos povos das belezas naturais. A ela e aos seus concidadãos, pessoas regradas, rigorosas, trabalhadoras, honestas e disciplinadas, nem sequer podiam comungar com as águas de um oceano.

Passos Coelho, a seu lado, falava-lhe das dificuldades do país, dos sacrifícios a que obrigava o seu povo mas ela, fingindo interesse, olhava as águas, o céu límpido, o horizonte, o barco que passava ao largo rumo ao Sul e pensava…pensava que um povo que dispunha de toda aquela beleza e riqueza natural sem o merecer, devia mesmo ter dívidas, credores a morderem nos calcanhares e troykas a fazerem inspecções regulares de três em três meses para poder receber o chequezito do empréstimo…

Adeus, Srª Merkel. Ninguém está dentro ninguém para a poder acusar destes pensamentos. Por isso, cá a esperamos para lhe oferecer o sol e as areias das nossas praias quando estiver reformada mas, entretanto, à laia de despedida, e a propósito do «cumprimento das obrigações», recordo-lhe aqui um português, diplomata, Aristides de Sousa Mendes, que se tivesse cumprido as suas obrigações para com o seu Chefe de Governo, o ditador Salazar, mais de 30.000 judeus teriam, muito provavelmente, morrido nas câmaras de gás do seu Fuhrer.

 Por ter faltado ao cumprimento dessas obrigações morreu na miséria, a mesma miséria para onde caminhamos agora no cumprimento da sua política de austeridade extrema.

Passe bem, Srª Merkel!
  

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