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HOJE É DOMINGO
(Da minha cidade de
Santarém)
Ângela Merkel, como estava combinado,
visitou-nos na passada Segunda-Feira. Visita rápida, curta, a fazer lembrar as de
médico. Foi-se embora sem deixar na mesa-de- cabeceira a receita da mézinha que curasse a
doença ou atenuasse o mal do doente.
Mas foi bom que ela tivesse vindo porque
permitiu que expurgássemos de forma um pouco mais veemente e até com laivos
artísticos, ódios e frustrações que nos envenenam o espírito. É bom termos
alguém em quem concentrar as raivas que nos vão na alma, mais ou menos como
acontece quando vamos aos estádios de futebol e chamamos nomes ao árbitro.
O dia estava lindo: o Sol, o Oceano
Atlântico, o Céu, a Temperatura, o Grau de Humidade, tudo, mesmo tudo, esteve
deslumbrante… A mim, que sou de cá e já estou habituado a tanta beleza natural,
o que me meteu mesmo mais inveja foi o cabrito assado no forno, meu prato
favorito e que fazia parte da ementa do almoço.
Estou certo que o cozinheiro se esmerou
pois não é todos os dias que se pode impressionar pelo paladar, ao que dizem, a
patroa da Europa, tanto mais que ela teve uma infância e juventudes difíceis lá
na Alemanha de Leste, do sério e austero Presidente Erick Honecker, onde quase tudo era escasso e racionado excepção feita à autoridade despótica e ao poder do regime comunista.
O cenário da recepção contrastou:
-
Por um lado, o Centro Cultural de Belém, a fazer lembrar o bunker, aquele
buraco tenebroso onde todos tremiam de medo de um fuhrer cada vez mais louco e
que antes de dar um tiro na cabeça se preocupou em ordenar, expressamente, que
os jovens da sua Juventude Hitleriana, crianças entre os seis e os dezoito
anos, rapazes e raparigas, continuassem na guerra a matar pessoas. Morrer a
pensar na execução dessas ordens adoçava-lhe a morte…
-
Do outro, aquele espectáculo maravilhoso do mar por onde se estende o olhar e
se reconforta a alma. Agasalhada no seu inseparável e deselegante casaco
branco, Ângela Merkel, espraiou a vista, encheu o peito de ar e questionou-se, na intimidade dos seus pensamentos, por que éramos nós, portugueses, morenaços, mandriões e corruptos, os donos
daquela paisagem que ela nunca desfrutou na sua cinzenta, húmida e fria Berlim
Leste.
Se o seu pai fosse vivo, ela
perguntar-lhe-ia, na sua qualidade de pastor luterano, por que Deus cometia
estas injustiças na distribuição pelos povos das belezas naturais. A ela e aos
seus concidadãos, pessoas regradas, rigorosas, trabalhadoras, honestas e disciplinadas,
nem sequer podiam comungar com as águas de um oceano.
Passos Coelho, a seu lado, falava-lhe
das dificuldades do país, dos sacrifícios a que obrigava o seu povo mas ela,
fingindo interesse, olhava as águas, o céu límpido, o horizonte, o barco que
passava ao largo rumo ao Sul e pensava…pensava que um povo que dispunha de toda
aquela beleza e riqueza natural sem o merecer, devia mesmo ter dívidas, credores
a morderem nos calcanhares e troykas a fazerem inspecções regulares de três em
três meses para poder receber o chequezito do empréstimo…
Adeus, Srª Merkel. Ninguém está dentro
ninguém para a poder acusar destes pensamentos. Por isso, cá a esperamos para
lhe oferecer o sol e as areias das nossas praias quando estiver reformada mas, entretanto,
à laia de despedida, e a propósito do «cumprimento das obrigações», recordo-lhe
aqui um português, diplomata,
Aristides de Sousa Mendes, que se tivesse cumprido as suas obrigações para com
o seu Chefe de Governo, o ditador Salazar, mais de 30.000 judeus teriam, muito
provavelmente, morrido nas câmaras de gás do seu Fuhrer.
Por ter faltado ao cumprimento dessas
obrigações morreu na miséria, a mesma miséria para onde caminhamos agora no
cumprimento da sua política de austeridade extrema.
Passe bem, Srª Merkel!
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