quinta-feira, novembro 01, 2012

Sobressae o azul dos olhos 
GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 131


Chegavam estudantes em todos os navios. Só não desembarcava Malvina, interna no Colégio das Mercês. Primeiro pensaram que Melk Tavares, aumentando o castigo, resolvera privá-la de férias.

Mas quando Melk viajou inesperadamente para a capital e voltou sozinho como partira, o rosto sombrio, envelhecido dez anos, se soube a verdade. Malvina fugira sem deixar rasto, aproveitando a confusão da partida para férias, o colégio em desordem.

Melk chamara a polícia, na Baía não estava. Comunicou-se com o Rio, não a encontraram. Todos pensaram que fora amigar-se com Rómulo Vieira, o engenheiro da barra. Outro motivo não podia explicar a fuga sensacional, prato suculento para as solteironas. Até João Fulgêncio assim pensou. E só veio a alegrar-se quando soube que o engenheiro, chamado à polícia no Rio, provara nada saber de Malvina, não ter nenhuma notícia da moça desde sua volta de Ilhéus.

Não sabia nem queria saber. Foi então o mistério completo, ninguém entendia, profetizavam sua volta próxima, arrependida.

João Fulgêncio não acreditava no regresso da moça, a solicitar perdão:

 - Não volta, tenho a certeza. Aquela vai longe, sabe o que faz.

Muitos meses depois, em plena safra do ano seguinte, noticiou-se que ela trabalhava em São Paulo, num escritório, estudando à noite, vivendo sozinha. A mãe reviveu, nunca mais saíra de casa. Melk recusou-se a ouvir uma palavra sequer:

 - Não tenho mais filha!

Mas tudo isso sucedeu tempos depois. Naquele fim de ano, Malvina era apenas escândalo indecente, mau exemplo citado, a dar razão aos veementes discursos do Dr. Maurício, em antecipada campanha eleitoral.

As eleições seriam em Maio, mas já o causídico aproveitava todas as ocasiões para deitar o verbo, conclamando o povo a restaurar a perdida decência de Ilhéus. No entanto, pouca gente parecia disposta a fazê-lo, os novos costumes penetravam em toda a parte, mesmo dentro dos lares, agravavam-se no fim do ano com a vinda dos estudantes.

Todos eles aderiram ao Capitão. Até um jantar lhe ofereceram no bar de Nacib, ao «futuro Intendente – como o saudou o terceiranista de Direito, Estêvão Ribeiro, filho do coronel Coriolano, apesar de seu pai ser dos fiéis a Ramiro Bastos – que irá libertar Ilhéus do atraso, da ignorância e dos costumes de aldeia, candidato à altura do progresso a iluminar com o raio da cultura a capital do cacau».

Pior ainda era o filho de Amâncio Leal: enfrentou-se com o pai, em intermináveis discussões:

 - Não tem jeito, meu pai, o senhor deve entender. Padrinho Ramiro é o passado. Mundinho Falcão é o futuro – estudava engenharia em São Paulo, só falava em máquinas, em estradas, em progresso.

O senhor tem razão em ficar com ele. Razão sentimental, afectiva que eu respeito. Eu não posso acompanhá-lo. O senhor deve também compreender – e metia-se com os engenheiros e técnicos da barra, vestiu escafandro, desceu ao fundo do canal. 

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