terça-feira, novembro 20, 2012

Um verdadeiro herói

VIRIATOO Nosso Avô (II)


Viriato, que durante oito anos teve o exército de ocupação em cheque, era de algum modo um guerreiro à parte. Os historiadores latinos, tão dados à avolumação epopaica, ao passo que tentam denegri-lo em seu natural, exaltam-lhe o génio combativo e estratégico.

Em verdade não devia possuir nenhuma formação militar especial militar, mas sim ser dotado da arte inata dos seus, no ataque e na defesa, elevado a sumo grau. Suponha-se que sintetizava de modo sublimado todas as qualidades bélicas dos seus irmãos e seriam astúcia, destreza, robustez, frugalidade, denodo e ânimo até à morte.

Não é preciso mais para estarmos perante um demiurgo - chefe genial .

Comprazem-se ainda os historiadores a pintá-lo em seus sainetes de espírito e ainda debaixo desse prisma ele parece superior. Ante os vizinhos indecisos que tanto perfilhavam a causa de Roma como a causa dos lusitanos, serviu-se de uma parábola, digna de Salomão.

 - Era uma vez um homem, de certa idade, casado com duas mulheres. A mais nova arrancava-lhe os cabelos brancos porque o queria eternamente moço, a mais velha tirava-lhe os pretos porque invernando já na sua cabeça, preferia que ele lhe fosse igual na aparência, se não na realidade. O resultado é que ficou calvo a breve trecho. Quereis que vos suceda o mesmo?

Parece que as riquezas de Astoplas, seu sogro, o não seduziram e, encostado à lança, olhara para elas como coisas caducas no jogo de azar que é a vida, mormente para o homem de guerra.

Impuseram-lhe as vírias - braceletes de guerreiro -  em hora adversa, quando à superfície do cálice se avistava bem toldado com triaga* o néctar delicioso.

Os Lusitanos, batidos, esfomeados, cercados por todos os lados, iam entregar-se à mercê do Pretor. Eram os cordeiros a meter-se na bocarra do lobo. E então, chamou-os ao sentimento da realidade:

 - Alguma vez os romanos respeitaram a palavra dada?

- Alguma vez tiveram piedade?

 - Alguma vez usaram de clemência?

  - Morrer por morrer antes com as armas na mão. Confiai em mim, recobrai o ânimo e eu juro que nos havemos de salvar!

Calaram nos espíritos aquelas palavras de esperança e de firmeza. Ergueram-se nos escudos. É de querer que as virias, se é que pressupunham o governo supremo, lhe fossem então conferidas.

Concertou então o caudilho o estratagema que se lhe afigurava mais viável: ele investiria de ímpeto e inopinadamente com a gente de cavalo o flanco das forças romanas. O ataque não podia deixar de criar certo burburinho e provocar a corrida para o local crítico das demais tropas.

Então, os combatentes a pé aproveitariam a confusão para se esgueirar a toda a rosa-dos-ventos. Quanto a eles, cavaleiros, haveriam de sair-se pelo melhor, oferecendo o menos possível o corpo aos ginetes pesados dos romanos.

E assim sucedeu. Depois de atacar a má cara, a gente de pé despediu, tresmalhando em todos os rumos como vespas. Depois, negaciar, curvetear, furtar-se ao combate, foi a segunda fase da sua estratégia audaciosa até que se ofereceu o ensejo de tomar à rédea solta o caminho da montanha. Ali era a casa deles – larga, medonha, cavilosa casa para os romanos.

Ah! mas Roma não era um adversário qualquer, personificava a vontade tenaz com inquebrantável força!

As falanges, cobertas de ferro, com cavalos soberbos de luzentes arreios e levando atrás densas turmas de escravos, munidos de marrões e alavancas para demolir as citânias – castros de maiores dimensões, povoados, construídos de pedra granítica ou xistosa, características dos povos das montanhas da península ibérica, no cimo dos montes por uma questão de defesa. Muitos foram destruídos pelos romanos mas alguns, dada a sua excelência, aproveitados e expandidos em futuras cidades romanas -  começaram, por sua vez a subir as serras, até ali invioladas.

Como resistir-lhes?


*Triaga – Medicamento complexo com sessenta e quatro componentes. Acreditava-se que tinha propriedades de antídoto para venenos e a sua origem data do Sec. I A.C.

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