Este, não tem nada a ver com o mundo de Gabriela... |
GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 156
Tinham depois de roçar com cuidado, por
entre as moitas escondiam-se as cabeças traiçoeiras das serpentes, com o bote
armado para picar. Era morte certa.
Quando estavam a começar a plantar as
frágeis mudas de cacau, o coronel o mandara chamar. Batia o rebenque na bota,
na varanda da casa. Com aquele rebenque a filha surrara, animando-a a partir.
Olhou o negro Fagundes com seus olhos
pensativos e tristes desde a fuga de Malvina, falou com sua voz de raiva
concentrada:
-
Vai te preparando, negro! Um dia desses te levo de novo para Ilhéus. Vai ser
preciso homem disposto na cidade.
Seria para matar o tipo que carregara
sua filha? Para atirar nele e, quem sabe, na moça? Era orgulhosa, parecia
imagem de santo. Mas ele, Fagundes, não matava mulher. Ou seriam os barulhos de
novo a começar? Perguntou:
-É briga outra vez? – Riu – Dessa vez não vou
errar.
-
Prós dias das eleições. Estão se aproximando. Precisamos ganhar. Nem que seja
na boca da repetição.
Boa notícia depois de tanto tempo de
calmaria. Retornou a plantar com novo ardor. O sol implacável era um chicote no
lombo. Finalmente haviam terminado, quatro mil mudas de cacau cobriam a terra
onde fora a floresta virgem, assustadora.
Voltando para casa, as enxadas ao ombro,
conversavam Clemente e o negro Fagundes. O crepúsculo morria, a noite entrava
por dentro das roças, trazendo consigo os lobisomens, as mulas-de-padre, a alma
dos mortos nas tocaias antigas. Passavam sombras nos cacauais, as corujas
abriam os olhos nocturnos.
Um dia destes estou voltando para
Ilhéus. Lá vale a pena. Tem tanta mulher no Bate-Fundo, cada uma mais linda de
ver. Vou tomar um fartão – batia na barriga negra de umbigo saltado. – essa
barriga vai clarear de tanto roçar barriga de branca.
-
Tu vai para Ilhéus?
-
Falei para tu outro dia. Que o coronel me avisou. Vai ter eleição, nós vamos
ganhar à custa de bala. Já tou avisado, só falta a ordem para embarcar.
Clemente ia meditativo, como a ruminar
uma ideia. Fagundes dizia:
-
Dessa vez vou voltar com dinheiro. Não há negócio melhor do que garantir
eleição. Tem comes e bebes, festa para festejar ter ganhado. E corre dinheiro
prós bolsos da gente. Tu pode contar. Dessa vez vou trazer os mil-réis pra
gente meter no pedaço de terra.
Parando na sombra, o rosto no escuro,
Clemente pedia:
-
Tu podia falar com o coronel para levar eu também.
-
Porque tu quer ir? Tu não é homem de briga… O que tu saber fazer é lavrar
terra, é plantar, é colher. Tu quer ir pra quê?
Voltou a andar Clemente, não respondeu.
Fagundes repetiu:
-
Pra quê? – E se lembrou – Pra ver Gabriela?
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