Flores do campo |
GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
CANELA
Episódio Nº 155
Tá tudo enterrado na terra
– riu o negro – quatro mil pés de cacau pró coronel enricar mais.
- E prá gente comprar pedaço de terra daqui a três anos – respondeu o mulato Clemente, cuja
boca perdera o gosto de sorrir.
Depois do tiro falhado em
Aristóteles, de escutar as recriminações de Melk ( « Pensei que você sabia
mesmo atirar. Não serve para nada») ouvidas em silêncio (que podia responder?
Errara a pontaria, como tinha aqui lo
sucedido?), recebida a recompensa magra (contratei para liqui dar o homem, não para ferir. Ainda sou bom demais
em lhe pagar), aceitara Fagundes aquela empreitada.
Sobre o erro na pontaria,
apenas explicara ao coronel.
- Não tinha chegado o dia destinado para ele
morrer. Cada um tem seu dia, marcado lá em cima – apontava o céu.
Empreitada para derrubar
dez tarefas de mata, tocar-lhe fogo, roça-la, plantar quatrocentos cacaueiros
por tarefa, cuidar seu crescimento durante três anos. Entre os pés de cacau
cultivavam mandioca, milho, batata-doce, inhame.
Dessa plantação miúda
deveriam viver durante os três anos. No fim da empreitada, por pé de cacau que
houvesse vingado, o coronel pagar-lhes ia mil e qui nhentos
reis.
Com esse dinheiro,
Clemente sonhava comprar um pedaço de terra para eles dois botarem uma roça.
Que terra poderiam comprar com tão pouco dinheiro? Uma ninharia, uma nesga de
terra ruim.
O negro Fagundes pensava
que, se os falados barulhos não recomeçassem, era difícil, muito difícil,
chegar a comprar pedaço de terra, mesmo ruim. Com a mandioca, e o milho, a
batata-doce e o aipim não conseguiam viver. Apenas morrer.
Para ir ao povoado, dormir
com uma quenga, fazer um fuzuê, dar uns tiros para o ar, não alcançava. Era
preciso tomar dinheiro adiantado. No fim dos três anos, recebiam o saldo, por
vezes, nem chegava a metade do valor da empreitada.
Onde se haviam metido
esses barulhos tão bem começados? Uma calmaria, nem se fava. Os jagunços de
Melk haviam voltado juntos com Fagundes, numa canoa, de madrugada.
O coronel andava sombrio,
também ele tinha perdido o gosto de rir. Fagundes sabia porquê. Na roça todos
sabiam, notícias ouvidas em Cachoeira do Sul. A filha, aquela orgulhosa que
Fagundes conhecera, arribara do colégio enrabichada por homem casado. Mulher é
bicho desgraçado, bole com a vida de todo o mundo. Se não é a mulher da gente,
é a filha, é a irmã.
Não vivia Clemente de
cabeça baixa, a matar-se no trabalho, a ficar de noite, na porta da casa de
barro batido, sentado numa pedra, a olhar o céu? Desde que soubera pelo negro
Fagundes, vindo de Ilhéus, estar Gabriela casada com o dono do bar, uma senhora
de anel no dedo, de dente de ouro, mandando em empregadas.
Contara-lhe o negro as
peripécias da fuga, a caçada no morro, o muro pulado, o encontro com Gabriela
casada e de como ela salvara sua vida. Eles queimavam a mata: corriam os
animais espavoridos, na frente do fogo. Porcos selvagens, caititus, pacas,
veados, teiús e jacus, e um mundo de cobras, jararacas, cascavéis, surucucus.
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