terça-feira, dezembro 04, 2012

Flores do campo

GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 155

Tá tudo enterrado na terra – riu o negro – quatro mil pés de cacau pró coronel enricar mais.

 - E prá gente comprar pedaço de terra daqui a três anos – respondeu o mulato Clemente, cuja boca perdera o gosto de sorrir.

Depois do tiro falhado em Aristóteles, de escutar as recriminações de Melk ( « Pensei que você sabia mesmo atirar. Não serve para nada») ouvidas em silêncio (que podia responder? Errara a pontaria, como tinha aquilo sucedido?), recebida a recompensa magra (contratei para liquidar o homem, não para ferir. Ainda sou bom demais em lhe pagar), aceitara Fagundes aquela empreitada.

Sobre o erro na pontaria, apenas explicara ao coronel.

 - Não tinha chegado o dia destinado para ele morrer. Cada um tem seu dia, marcado lá em cima – apontava o céu.

Empreitada para derrubar dez tarefas de mata, tocar-lhe fogo, roça-la, plantar quatrocentos cacaueiros por tarefa, cuidar seu crescimento durante três anos. Entre os pés de cacau cultivavam mandioca, milho, batata-doce, inhame.

Dessa plantação miúda deveriam viver durante os três anos. No fim da empreitada, por pé de cacau que houvesse vingado, o coronel pagar-lhes ia mil e quinhentos reis.

Com esse dinheiro, Clemente sonhava comprar um pedaço de terra para eles dois botarem uma roça. Que terra poderiam comprar com tão pouco dinheiro? Uma ninharia, uma nesga de terra ruim.

O negro Fagundes pensava que, se os falados barulhos não recomeçassem, era difícil, muito difícil, chegar a comprar pedaço de terra, mesmo ruim. Com a mandioca, e o milho, a batata-doce e o aipim não conseguiam viver. Apenas morrer.

Para ir ao povoado, dormir com uma quenga, fazer um fuzuê, dar uns tiros para o ar, não alcançava. Era preciso tomar dinheiro adiantado. No fim dos três anos, recebiam o saldo, por vezes, nem chegava a metade do valor da empreitada.

Onde se haviam metido esses barulhos tão bem começados? Uma calmaria, nem se fava. Os jagunços de Melk haviam voltado juntos com Fagundes, numa canoa, de madrugada.

O coronel andava sombrio, também ele tinha perdido o gosto de rir. Fagundes sabia porquê. Na roça todos sabiam, notícias ouvidas em Cachoeira do Sul. A filha, aquela orgulhosa que Fagundes conhecera, arribara do colégio enrabichada por homem casado. Mulher é bicho desgraçado, bole com a vida de todo o mundo. Se não é a mulher da gente, é a filha, é a irmã.

Não vivia Clemente de cabeça baixa, a matar-se no trabalho, a ficar de noite, na porta da casa de barro batido, sentado numa pedra, a olhar o céu? Desde que soubera pelo negro Fagundes, vindo de Ilhéus, estar Gabriela casada com o dono do bar, uma senhora de anel no dedo, de dente de ouro, mandando em empregadas.

Contara-lhe o negro as peripécias da fuga, a caçada no morro, o muro pulado, o encontro com Gabriela casada e de como ela salvara sua vida. Eles queimavam a mata: corriam os animais espavoridos, na frente do fogo. Porcos selvagens, caititus, pacas, veados, teiús e jacus, e um mundo de cobras, jararacas, cascavéis, surucucus.

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