segunda-feira, dezembro 03, 2012


AFONSO HENRIQUES
 - Nosso rei Fundador –


A Batalha de Ourique (III)

Que exércitos podiam eles ajuntar, do pé para mão, contra o impetuoso príncipe, que atacava de chofre com todas as suas valentes lanças?

Deste recontro fortuito fizeram os cronistas, inspirados nas epopeias e nas histórias da Távola Redonda, uma batalha campal em que, do lado cristão alinharam seiscentos ginetes e seis mil infantes e do lado muçulmano, segundo os mais exorbitantes, novecentos mil combatentes e, de acordo com os mais comedidos, cento e vinte mil, sem falar nas amazonas que caíram pelejando.

Deste jeito, pelo padrão mais cândido, a cada cristão viriam a caber cerca de cento e quarenta e tantos inimigos, número que nem um Guliver conseguiria desenvencilhar-se, embora se tratasse de anões do tamanho de um dedo.

Os portugueses descansaram três dias no campo da batalha para enterrar os mortos, curar os feridos, e recolher os despojos.

Não parou ali Afonso Henriques. Ao cabo de três dias, ala.

Entretanto, caiu uma chuva torrencial que lavou o terreno e ensanguentou os rios, chegando alguns cronistas a contar que as águas chegaram ao mar, na foz do rio Guadiana, tintas de sangue.

Mais que isto não era possível para engrandecer de maior glória o diadema do rei Conquistador.

Este rei passou mais de metade da vida a cavalo. A cavalo e acutilando. O cronista Duarte Galvão pinta-o assim:

 - «Era mui grande de corpo e de mui assinada valentia, de força grande e coração muito maior, e grão cortador da espada, e portanto seu pelejar, onde se topava, entre todos era avantajado.»

O condado que o pai lhe deixou era pequeno. Sem poder expandir-se para Norte pois emperrava com a Galiza, ficaram-lhe as incursões nas planícies ribatejanas possíveis dada a sua mínima densidade população sarracena.

Sucessivamente, tomou aos mouros Leiria, Santarém, Sintra e, passando o Tejo em barcaças e jangadas, caiu de improviso sobre Almada e Palmela, praças confiadas a desprecavidos alcaides.

Lisboa era o ninho dos marabus africanos que ele, com os olhos despeitado de cristão, via erguer-se na bacia do Tejo, sobre as colinas, com os seus muros irrepreensivelmente brancos e acima de tudo, tal como uma papoila, os talhados vermelhos das casas na parte interior do castelo altaneiro.

Porque os cruzados passavam agora em navios a caminho da Terra Santa, na mira mais de conquistar riquezas do que na de merecer a bem-aventurança, porque não vinham eles saciar a fome na cidade que se havia tornado o celeiro e armário dos haveres sarracenos?

Até que um dia, numa bela manhã de sol, eis que os navios côncavos, a cruz de Cristo chagada na bandeira, encostam a proa à margem direita do rio plácido e deserto. Depois, eles pelo Sul e Nascente e Afonso Henriques pelo Norte, puseram cerco à cidade, primeira fortaleza da moirama peninsular.

A cidade caiu nas mãos dos cristãos. Quando a entregaram ao príncipe, ou melhor, quando pôde tomar conta dela, estava chocha como uma noz esvaziada.

Os sitiadores não se tinham contentado com pilhar as riquezas; aquilo que não puderam carregar para as naus, destruíram-no. Não violaram apenas as moirinhas núbeis, degolaram-nas depois de saciados; não se limitaram a fazer escravos, trucidaram a população. Nos velhos e crianças a mortandade, pode-se dizer, foi total.

Era sempre assim na guerra de extermínio travada entre a Cruz e o Crescente. Alguns cruzados, os Ligéis, os Rolins, os Liberges, a quem a terra sorriu, tanto mais que abarrotavam com a presa feita, instalaram-se no agro-ribatejano e aí lançaram raízes.

Não lhes faltava nada, carne para o gozo, servos para virar a terra, sol, luz e oiro, e nunca mais pensaram em conquistar o Céu libertando o Santo Sepulcro.

Afonso Henriques precisava de gente nas muitas léguas do chão conquistado e acarinhou o mouro, que constituía o núcleo importante na mescla populacional da Hispânia.

A sua última aventura guerreira levou-o a Badajoz, onde a sorte das armas não lhe foi tão propícia não só porque perdeu muita gente mas porque partiu uma perna.

Fernando de Leão viu-o naquele estado calamitoso e, como príncipe cristão deixou-o ir em boa paz. Também Badajoz era como um recife no abismo peninsular coberto tanto por vagas sarracenas como neo-visigóticas. No fundo, Terra de ninguém.

As almas supersticiosas quando viram o rei, de barbas hirsutas e olhos maus a praguejar na maca que o levava, logo evocaram a maldição que depois do encontro de S. Mamede a mãe lhe lançou:

 - «Deitas-me ferros às pernas, filho desnaturado?! Deus te castigará nas tuas, que to juro eu!

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