Ruas desertas.... |
HOJE É DOMINGO
(Da Minha Cidade de
Santarém)
A minha cidade de Santarém parece estar
a morrer. As ruas estão cada vez mais desertas e os lojistas, à porta dos
estabelecimentos, olham desalentados os poucos transeuntes, provavelmente
pensando em como vão satisfazer os encargos no fim do mês.
É verdade que Santarém nunca foi cidade
de vida exuberante, como, por exemplo, a nossa vizinha Caldas da Rainha. Parece
até que as pessoas fazem cerimónia em sair à rua. Acabado que seja o horário de
trabalho nas repartições públicas e nas agências bancárias e eis que aí vão fazer umas compras à pressa e meterem-se em casa, como é mais ou menos próprio nas
capitais de distrito do interior.
Mas agora é mais flagrante porque às
pessoas que não se vêm nas ruas juntam-se as lojas de porta fechada a fazer
lembrar dias de greve parcial à qual uns aderem e outros ainda resistem.
Na passada sexta feira, o Académico, o
meu Café de há muitos anos, que se tinha tornado uma extensão da minha própria
casa na parte da manhã de cada dia, fechou ao público, encerrou.
Olhámos uns para os outros: e agora,
para onde vamos ler o jornal, beber o café, comer a torradinha e conversar? Esqueceram-se
que esta é uma terra de velhos e reformados?
Eu sempre disse que havia cafés a mais
na minha terra. O que eu não disse é que era o meu que estava a mais…
Bem situado, com uma ampla esplanada dotada de
uma estrutura própria envidraçada de protecção para acolher os fumadores no
inverno, mas igualmente disponível para receber os clientes no Verão e um
espaço interior com uma boa superfície cheia de luz e uma clientela que era
certa e fiel.
A
gente entra, cumprimenta, senta-se, dispõe o jornal para a leitura e o
pequeno-almoço, dentro de instantes, aparece servido com o sorriso da Filó…
fora aqueles dias em que ela estava triste e não sorria, porque assim é que é. Os
sorrisos devem traduzir estados de espírito ou então são de plástico.
Estamos a passar por uma prova de
resistência, espécie de corrida da maratona. À partida eram muitos, agora, pelo
caminho, começam a ficar alguns. Os que não têm à sua frente, atrás do balcão, os
próprios donos, os que não conseguem ajustar-se a esta nova realidade, os que
não foram capazes de diminuir as despesas até aos limites do suficiente, ou
disputar os clientes com o seu sorriso e simpatia e ainda, finalmente, os que
estão sujeitos a encargos bancários incomportáveis para a realidade actual, vão
fechando.
O “nosso” Café é um espaço familiar de
afectos, por vezes de recordações, e sempre assim foi desde os recuados tempos
da Faculdade, nos princípios dos anos sessenta, no Café onde estudávamos, a
Alsaciana, na Rua da Escola Politécnica, num desafio à nossa capacidade de
abstracção do acolhedor ruído de fundo de conversas, pires e chávenas.
Marcávamos encontros com as namoradas, também
elas estudantes, numa mesa escolhida ao cantinho da sala, fora dos olhares mais
directos e propícia às conversas em voz baixa.
Quase apetece dizer que há sempre um Café na
vida de cada um de nós onde um dia aconteceu qualquer coisa: um encontro, um olhar,
uma promessa, uma conversa especial, ou, simplesmente, o remanso do tempo a
passar na leitura de um livro, de uma revista, do jornal, ou de um olhar
perdido na divagação dos pensamentos.
Presto culto ao meu Café, espaço
integrante da vida de tantos concidadãos da minha geração, especialmente nesta
fase em que sobra tempo e para a maior parte falta o que fazer.
Claro que tenho mais Cafés no meu bairro
e até na minha rua, mas em qualquer um deles sentir-me-ei um estranho, um
intruso, nenhuma daquelas caras me será familiar. Vão me olhar com atenção
especial: um cliente novo ou apenas alguém de passagem?
Já não tenho idade para começar de novo.
Os cafés escolhem-se quando se chega a um bairro, a uma rua, não agora, ao fim
de tantos anos. Nunca fui de andar a saltitar embora saiba que é essa a forma
de viver os tempos que correm e que irá acentuar-se cada vez mais… mas eu
tenho uma experiência de mais de setenta anos de vida e durante grande parte
dela comprei o papo-seco a quatro tostões e o jornal a um escudo e,
desculpem-me os que são diferentes de mim, mas não há nada que valha uma boa
rotina.
Começo a perceber que a minha vida irá terminar
exactamente no momento certo. O ciclo está a fechar-se com o encerramento do
meu Café e do afundamento do país ou então… será apenas eu que estou a dar
demasiada importância a mim mesmo.
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