domingo, dezembro 02, 2012

Ruas desertas....

HOJE É DOMINGO
(Da Minha Cidade de Santarém)


A minha cidade de Santarém parece estar a morrer. As ruas estão cada vez mais desertas e os lojistas, à porta dos estabelecimentos, olham desalentados os poucos transeuntes, provavelmente pensando em como vão satisfazer os encargos no fim do mês.

É verdade que Santarém nunca foi cidade de vida exuberante, como, por exemplo, a nossa vizinha Caldas da Rainha. Parece até que as pessoas fazem cerimónia em sair à rua. Acabado que seja o horário de trabalho nas repartições públicas e nas agências bancárias e eis que aí vão fazer umas compras à pressa e meterem-se em casa, como é mais ou menos próprio nas capitais de distrito do interior.

Mas agora é mais flagrante porque às pessoas que não se vêm nas ruas juntam-se as lojas de porta fechada a fazer lembrar dias de greve parcial à qual uns aderem e outros ainda resistem.

Na passada sexta feira, o Académico, o meu Café de há muitos anos, que se tinha tornado uma extensão da minha própria casa na parte da manhã de cada dia, fechou ao público, encerrou.

Olhámos uns para os outros: e agora, para onde vamos ler o jornal, beber o café, comer a torradinha e conversar? Esqueceram-se que esta é uma terra de velhos e reformados?

Eu sempre disse que havia cafés a mais na minha terra. O que eu não disse é que era o meu que estava a mais…

 Bem situado, com uma ampla esplanada dotada de uma estrutura própria envidraçada de protecção para acolher os fumadores no inverno, mas igualmente disponível para receber os clientes no Verão e um espaço interior com uma boa superfície cheia de luz e uma clientela que era certa e fiel.

 A gente entra, cumprimenta, senta-se, dispõe o jornal para a leitura e o pequeno-almoço, dentro de instantes, aparece servido com o sorriso da Filó… fora aqueles dias em que ela estava triste e não sorria, porque assim é que é. Os sorrisos devem traduzir estados de espírito ou então são de plástico.

Estamos a passar por uma prova de resistência, espécie de corrida da maratona. À partida eram muitos, agora, pelo caminho, começam a ficar alguns. Os que não têm à sua frente, atrás do balcão, os próprios donos, os que não conseguem ajustar-se a esta nova realidade, os que não foram capazes de diminuir as despesas até aos limites do suficiente, ou disputar os clientes com o seu sorriso e simpatia e ainda, finalmente, os que estão sujeitos a encargos bancários incomportáveis para a realidade actual, vão fechando.

O “nosso” Café é um espaço familiar de afectos, por vezes de recordações, e sempre assim foi desde os recuados tempos da Faculdade, nos princípios dos anos sessenta, no Café onde estudávamos, a Alsaciana, na Rua da Escola Politécnica, num desafio à nossa capacidade de abstracção do acolhedor ruído de fundo de conversas, pires e chávenas.

Marcávamos encontros com as namoradas, também elas estudantes, numa mesa escolhida ao cantinho da sala, fora dos olhares mais directos e propícia às conversas em voz baixa.

 Quase apetece dizer que há sempre um Café na vida de cada um de nós onde um dia aconteceu qualquer coisa: um encontro, um olhar, uma promessa, uma conversa especial, ou, simplesmente, o remanso do tempo a passar na leitura de um livro, de uma revista, do jornal, ou de um olhar perdido na divagação dos pensamentos.

Presto culto ao meu Café, espaço integrante da vida de tantos concidadãos da minha geração, especialmente nesta fase em que sobra tempo e para a maior parte falta o que fazer.

Claro que tenho mais Cafés no meu bairro e até na minha rua, mas em qualquer um deles sentir-me-ei um estranho, um intruso, nenhuma daquelas caras me será familiar. Vão me olhar com atenção especial: um cliente novo ou apenas alguém de passagem?

Já não tenho idade para começar de novo. Os cafés escolhem-se quando se chega a um bairro, a uma rua, não agora, ao fim de tantos anos. Nunca fui de andar a saltitar embora saiba que é essa a forma de viver os tempos que correm e que irá acentuar-se cada vez mais… mas eu tenho uma experiência de mais de setenta anos de vida e durante grande parte dela comprei o papo-seco a quatro tostões e o jornal a um escudo e, desculpem-me os que são diferentes de mim, mas não há nada que valha uma boa rotina.

 Começo a perceber que a minha vida irá terminar exactamente no momento certo. O ciclo está a fechar-se com o encerramento do meu Café e do afundamento do país ou então… será apenas eu que estou a dar demasiada importância a mim mesmo.

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