CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 173
O cachimbo de seu Nilo era
uma estrela, ele trazia na mão direita um ceptro de rei, na esquerda a alegria.
Atirava ao entrar com a
mão certeira o boné marítimo, onde escondia os ventos e as tempestades, em cima
do velho manequi m. Começava a magia.
O manequi m se animava, a mulher de
uma perna só, envolta num vestido por acabar, o boné na cabeça que não havia.
Tomava-o pela cintura seu
Nilo, dançavam na sala. Dançava engraçado o manequi m
com sua única perna. Riam as pastoras, Miquelina soltava uma gargalhada de
louca, Dor sorria como rainha que era.
Do morro desciam as outras
pastoras, vinha Gabriela da casa de Dª Arminda, já não eram somente pastoras,
eram filhas de santo, iaôs de Iansan. Cada noite seu Nilo soltava a alegria no
meio da sala. Na pobre cozinha Gabriela fabricava riqueza: acarajás de cobre,
abarás de prata, o mistério do ouro do vatapá. A festa começava.
Dora de Nilo, Nilo de
Nora, mas qual das pastoras não montara seu Nilo, pequeno deus de terreiro? Eram
éguas na noite, montarias dos santos. Seu Nilo se transformava, era todos os
santos, era Ogun e Xandô, Oxossi e Omolu, era Oxalá para Dora.
Chamava Gabriela de
Iemanjá, dela nasciam as águas, o rio Cachoeira e o mar de Ilhéus, as fontes
nas pedras. Nos raios da lua, a casa velejava ao ar, subia pelo morro, partia
na festa.
As canções eram o vento,
as danças eram os remos, Dora a figura de proa. Comandante seu Nilo, ordenava
marujos.
Os marujos vinham do cais:
o negro Terêncio, o tocador de atabaque, o mulato Traíra, violeiro de fama, o
moço Baptista, cantador de modinhas e Mário Cravo, santeiro maluco, mágico da
feira.
Seu Nilo apitava, a sala
sumia, era terreiro de santo, candomblé e macumba, era sala da dança, era leito
de núpcias, um barco sem rumo no morro do Unhão, velejando ao luar. Seu Nilo
soltava cada noite a alegria. Trazia a dança nos pés, o canto na boca.
Sete Voltas era uma espada
de fogo, um raio perdido, um espanto na noite, um ruído de guizos. A casa de
Dora foi roda de capoeira quando ele surgiu com seu Nilo, o corpo a gingar, a
navalha na cinta, sua prosápia, fascinação.
Curvavam-se as pastoras,
um rei mago chegava, um deus de terreiro, um cavaleiro de santos para seus
cavalos montar.
Cavalo de Yemanjá,
Gabriela partia prós prados e montes, por vales e mares, oceanos profundos. Na
dança a dançar, o canto a cantar, cavalgado cavalo. Um pente de osso, um frasco
de cheiro, do rochedo atirava para a deusa do mar, faria um pedido: o fogão de
Nacib, sua cozinha, o quartinho dos fundos, os cabelos do peito, o bigode de cócegas,
a perna pesada em sua anca de arreios.
Quando a viola silenciava,
chegada a hora dos cafunés, desfilavam as histórias. Seu Nilo naufragara duas
vezes, vira a morte de perto. A morte no mar com verdes cabelos e uma gaita de
sopro. Mas era claro seu Nilo como a água da fonte.
Sete Voltas era um poço
sem fundo, um segredo de morte, carregava defuntos em sua navalha. Polícias de
farda, polícias sem farda, corriam atrás dele.
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