domingo, dezembro 09, 2012


HOJE É DOMINGO
(Na minha cidade de Santarém)


Quantas vidas tem uma vida?
Por estes dias, centenas, milhares de concidadãos meus estão começando uma nova vida, infelizmente a pior que eles poderiam esperar: desempregados, esgotado que foi o subsídio de desemprego, a vida que até aí tinha sido, para a maior parte deles, uma rotina agradável, de labuta, mas agradável, transformou-se, por artes malignas, num drama, numa tragédia.

Quando, em fins de 1962, embarquei no Vera Cruz para a Guerra de Angola: - «Depressa e em Força», dissera Salazar, uma vida nova começou para mim e milhares de jovens como eu, sendo que, para alguns, foi a última…

Quando, no fim dos meus primeiros cinco anos, a minha mãe me cortou os caracóis para eu poder ir para a escola sem parecer o Luís XIV em ponto pequenino, terminou a minha primeira vida. Dizia eu: - «Mamã, e quando eu era menina?…»

Quando desembarquei no avião em Lourenço Marque para iniciar uma nova vida com outra mulher que não a mãe dos meus filhos, outra vida se me deparou.

Quando, anos mais tarde, cheguei a Lisboa, de regresso, sem casa, sem emprego, sem carro, sem roupa, outra vida me esperava amparado pela família e mais tarde pelo Quadro Geral de Adidos.

Entre estas vidas, outras aconteceram ao sabor dos caprichos da própria vida e sempre aquelas que ficaram para trás me pareceram acidentes: agora, sim, naquela que se seguia, é que iria ser a vida a sério, finalmente a minha última vida… não foi.

Os anos passam, envelhecemos, e sempre esta sequência de vidas que, afinal, são a própria vida.

Mas eu não posso dissociar a minha vida, da vida do meu país. Passei a fazer parte dele quando nasci. As nossas vidas, a dele e a minha, fundiram-se, então, com a diferença que a minha, qualquer dia, ficará por aqui e a dele continuará.

Sinto-me cidadão do mundo porque partilho conceitos importantes e formas de viver que são comuns a uma grande parte dele, mas o grande compromisso é com o meu país.

É por ele que choro e me alegro, me entristeço e desespero.
Foi por ele que lutei, numa guerra injusta, estúpida, a mando de um homem de vistas curtas, mas lutei … e agora sofro porque me custa assistir à vergonha e humilhação porque ele está a passar e ele, sou eu, o meu vizinho de cima, os do prédio ao lado, do meu bairro, da minha cidade de todas as cidades para cá da fronteira e em todos os lugares, fora dela, onde vive um compatriota meu.

 - O que fizemos? O que nos fizeram? O que permitimos que nos fizessem?

 De que nos serviram os quase novecentos anos de história se não conseguimos aprender com os erros que fizemos e os repetimos como se tivéssemos chegado agora e este mundo?

Não é só a pobreza que me assusta, a incerteza do dia de amanhã, é também a dignidade que nos roubam, a forma com que nos tratam, a maneira como põem e dispõem, dizem e desdizem a nosso respeito.

Nunca sofri por o meu país ser pequeno e pobre porque o futuro dele estava na nossa mão e o capital de esperança é a maior riqueza que podemos ter. Metemos as mãos nos bolsos vazios e sonhamos que um dia os vamos ter cheios…

O pior, é quando deixamos fugir o futuro para mãos alheias e o capital de esperança que ele encerra vai-se com ele, e os sonhos morrem, esvaem-se… a que nos agarramos então?

Apenas o sol com os seus raios brilhantes e dourados continuam a encher-nos de luz e o mar, sempre, teimosamente o mesmo mar, a beijar as nossas praias transmitindo-nos alento na espuma branca das suas ondas.

O meu país está enfermo, não ponderámos como devíamos, sábia e cautelosamente, as decisões que tomámos. O mundo é um enorme covil de lobos e alguns de nós próprios, dentro da nossa casa, também não se comportaram bem…e, infelizmente, nem sequer somos capazes de os punir.

A falência da nossa justiça deixa-me a boca amordaçada. Como gritar contra os prevaricadores se eles se passeiam entre nós com o desdém, descaramento e desplante de quem, impunemente, nos conseguiu enganar?

Que outra vida será esta que se anuncia a uma comunidade que perdeu as rédeas do seu futuro e continua a gritar pela manutenção dos seus direitos?

De hoje em diante e nos próximos anos, a vida no meu país deverá  ser um exercício de teimosia que corre atrás dos nossos sonhos pela recuperação das rédeas do futuro.


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