A GABRIELA
Acabou-se a história e começa a saudade
que ela nos deixa. Fosse eu ainda menino e pediria à minha avó: «avozinha,
conta-me outra».
As histórias provocam-me encantamento.
As de Jorge Amado transportam-me a um mundo de outras pessoas, pessoas como eu,
como você, cujas vidas se desenrolam num quadro social que eu conheci porque
foi o meu, sem cacau mas com os morgados a chamarem-se de coronéis.
Depois, o amor, o ciúme, os
preconceitos, a inveja, os falsos pudores, a prepotência do poder, a hipocrisia
da religião, etc... tudo vivido num meio pequeno, a desabrochar, por pessoas que todas
elas se conhecem e cujas vidas se entrecruzam.
Tive a sorte de ver esta história
representada por actores que nunca mais poderei esquecer. Muitos já morreram
mas todos eles, ainda vivos ou já falecidos, continuam a viver na minha
memória.
O romance que agora terminou tem a
riqueza da palavra escrita, o sabor dos diálogos, o pormenor das situações, e a
ausência de “rodriguinhos” e de “efeitos” para telenovela, em que o jovem vitorioso
da luta política, recém-chegado à cidade, já não casa com a filha do poderoso
coronel entretanto falecido.
Ficam as pistas no romance… Eu diria que
eles ainda virão a casar, que diz a leitora? Embora o coração de Mundinho ainda
não esteja disponível, segundo ele disse… lá virá o momento em que ele irá ceder, abrir-se e Jerusa vai entrar para lhe dar muitos meninos.
Jorge Amado não manipula os personagens
e nos seus romances, ao contrário de Júlio Dinis, as histórias não acabam no
meio dos “confettis” das festas de casamento. Desta vez, salvou, à última da
hora, o amor na relação de Nacib com Gabriela e eu, que não gosto de me meter
nessas coisas, fiquei muito feliz por isso.
Ele realça o amor, o verdadeiro, o carnal,
como o da tia, mulher sabida, que vive uma paixão ardente com o jovem sobrinho
seminarista. Lembram-se, com certeza, da Tieta do Agreste, mais uma personagem
apaixonante de Jorge Amado que aqui
desfilou no Memórias Futuras.
Tieta, Tereza Baptista Cansada de Guerra, Dona For e, finalmente, Gabriela, quatro admiráveis mulheres que tiveram que conviver com Zélia, a única, a esposa
de sempre de Jorge Amado.
Estava em dívida com Jorge Amado desde
que, em 1977, vi a Gabriela com a Sónia Braga na Televisão. Recuso-me a conhecer outra
Gabriela - por mais versões que eles
apresentem - que não seja ela, a Sónia Braga, nos seus esplendorosos e selvagens 25 anos. - «Sapato não seu Nacib» - «Moço bonito!»
Hoje, parte dessa dívida, ficou saldada.
Voltaremos a ele como uma fonte inesgotável da vida através dos seus personagens.
JORGE AMADO |
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