CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 183
Tinha vontade de perguntar
se tinha voltado a dormir com Gabriela, achou indelicado fazê-lo. Nacib saíu,
nadando no gozo, a depositar dinheiro no banco.
Realmente nada sentia,
acabara-se todo o vestígio de dor, de sofrimento. Temera ao contratar novamente
Gabriela, sua presença a recordar-lhe o passado, medo de sonhar com Tonico
Bastos, nu, em sua cama. Mas nada sucedera.
Era como se tudo aqui lo tivesse sido um pesadelo longo e cruel.
Voltaram às relações dos primeiros tempos, de patrão e cozinheira, ela muito
despachada e alegre, a arrumar a casa, a cantar, a vir ao restaurante preparar
os pratos do almoço, a descer ao bar na hora do aperitivo para anunciar o menu
de mesa em mesa, obtendo fregueses para o andar de cima.
Quando o movimento
terminava, por volta da uma e meia da tarde, Nacib sentava-se para almoçar,
servido por Gabriela. Como antigamente. Ela rodava em torno da mesa, trazia-lhe
a comida, abria a garrafa de cerveja.
Comia depois com o único
garçon (Nacib despedira o outro ante o movimento reduzido do restaurante) e com
Chico Moleza, enquanto Walter, o substituto de Bico Fino olhava pelo bar. Nacib
tomava um velho jornal da Baía, acendia o charuto de São Félix, no fundo da
espreguiçadeira encontrava a rosa caída.
Nos primeiros dias jogara -a
fora, depois passara a guardá-la no bolso. O jornal rolava no chão, o charuto
apagava-se, Nacib dormia sua sesta, na sombra e na brisa.
Acordava com a voz de João
Fulgêncio vindo para a Papelaria. Gabriela preparava os salgados e os doces
para a tarde e a noite, ia depois para casa, ele a via cruzar a praça, em
chinelas, desaparecer atrás da igreja.
Que lhe faltava para ser
completamente feliz? Comia a inigualável comida de Gabriela, ganhava dinheiro,
juntava no banco, em breve procuraria terra para comprar. Haviam-lhe falado
numa nova faixa desbravada mais além da serra do Baforé, terra assim tão boa
nunca existira.
Ribeirinho propunha-se
levá-lo até lá, era perto de suas fazendas. Os amigos e fregueses diariamente
no bar, por vezes no restaurante. As partidas de damas e gamão. A boa prosa de
João Fulgêncio, do Capitão, do Doutor, de Nhô-Galo, de Amâncio, de Ari, de
Josué, de Ribeirinho.
Esses dois sempre juntos desde
que o fazendeiro montara casa para Glória, perto da estação. Por vezes até
comiam os três no restaurante, davam-se bem.
Que lhe faltava para ser
completamente feliz? Nenhum ciúme a comer seu peito, nenhum receio de perder a
cozinheira, onde ela iria arranjar melhor ordenado e posto mais seguro? Além do
mais era insensível às ofertas de casa montada e conta na loja, aos vestidos de
seda, aos sapatos, ao luxo das mancebas.
Porque, Nacib não sabia,
era um absurdo, sem dúvida, mas nem lhe interessava descobrir o motivo. Cada um
com sua loucura. Talvez fosse aquela história de flor dos campos não servir
para jarros, de que falara uma vez João Fulgêncio.
Isso pouco lhe afectava, como não mais o irritavam as palavras
sussurradas quando vinha ao bar, os sorrisos, os olhares, as palmadas na bunda,
a mão, o braço ou o seio tocados levemente. Tudo aqui lo
prendia a freguesia, um cálice a mais, um novo trago.
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