segunda-feira, janeiro 07, 2013


GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 183

Tinha vontade de perguntar se tinha voltado a dormir com Gabriela, achou indelicado fazê-lo. Nacib saíu, nadando no gozo, a depositar dinheiro no banco.
Realmente nada sentia, acabara-se todo o vestígio de dor, de sofrimento. Temera ao contratar novamente Gabriela, sua presença a recordar-lhe o passado, medo de sonhar com Tonico Bastos, nu, em sua cama. Mas nada sucedera.
Era como se tudo aquilo tivesse sido um pesadelo longo e cruel. Voltaram às relações dos primeiros tempos, de patrão e cozinheira, ela muito despachada e alegre, a arrumar a casa, a cantar, a vir ao restaurante preparar os pratos do almoço, a descer ao bar na hora do aperitivo para anunciar o menu de mesa em mesa, obtendo fregueses para o andar de cima.

Quando o movimento terminava, por volta da uma e meia da tarde, Nacib sentava-se para almoçar, servido por Gabriela. Como antigamente. Ela rodava em torno da mesa, trazia-lhe a comida, abria a garrafa de cerveja.

Comia depois com o único garçon (Nacib despedira o outro ante o movimento reduzido do restaurante) e com Chico Moleza, enquanto Walter, o substituto de Bico Fino olhava pelo bar. Nacib tomava um velho jornal da Baía, acendia o charuto de São Félix, no fundo da espreguiçadeira encontrava a rosa caída.

Nos primeiros dias jogara -a fora, depois passara a guardá-la no bolso. O jornal rolava no chão, o charuto apagava-se, Nacib dormia sua sesta, na sombra e na brisa.

Acordava com a voz de João Fulgêncio vindo para a Papelaria. Gabriela preparava os salgados e os doces para a tarde e a noite, ia depois para casa, ele a via cruzar a praça, em chinelas, desaparecer atrás da igreja.

Que lhe faltava para ser completamente feliz? Comia a inigualável comida de Gabriela, ganhava dinheiro, juntava no banco, em breve procuraria terra para comprar. Haviam-lhe falado numa nova faixa desbravada mais além da serra do Baforé, terra assim tão boa nunca existira.

Ribeirinho propunha-se levá-lo até lá, era perto de suas fazendas. Os amigos e fregueses diariamente no bar, por vezes no restaurante. As partidas de damas e gamão. A boa prosa de João Fulgêncio, do Capitão, do Doutor, de Nhô-Galo, de Amâncio, de Ari, de Josué, de Ribeirinho.

Esses dois sempre juntos desde que o fazendeiro montara casa para Glória, perto da estação. Por vezes até comiam os três no restaurante, davam-se bem.

Que lhe faltava para ser completamente feliz? Nenhum ciúme a comer seu peito, nenhum receio de perder a cozinheira, onde ela iria arranjar melhor ordenado e posto mais seguro? Além do mais era insensível às ofertas de casa montada e conta na loja, aos vestidos de seda, aos sapatos, ao luxo das mancebas.

Porque, Nacib não sabia, era um absurdo, sem dúvida, mas nem lhe interessava descobrir o motivo. Cada um com sua loucura. Talvez fosse aquela história de flor dos campos não servir para jarros, de que falara uma vez João Fulgêncio.

Isso pouco lhe afectava, como não mais o irritavam as palavras sussurradas quando vinha ao bar, os sorrisos, os olhares, as palmadas na bunda, a mão, o braço ou o seio tocados levemente. Tudo aquilo prendia a freguesia, um cálice a mais, um novo trago.

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