Fará bem às dores do peito? |
GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 182
A não ser quando havia navios em trânsito
no porto, o movimento era pequeno, tanto que só serviam almoço. A gente da
terra habitualmente fazia as refeições em casa. Apenas de
quando em vez, tentados pelos pratos de Gabriela, vinham os homens sós ou com a
família ali almoçar.
Para variar do trivial quotidiano. Fregueses
permanentes contavam-se nos dedos: Mundinho, quase sempre com convidados,
Josué, o viúvo Pessoa. Em compensação, o jogo à noite, na sala do restaurante,
conhecia o maior dos sucessos.
Formavam-se cinco e seis rodas de pocker,
o sete-e-meio, a bisca. Gabriela preparava de tarde salgados e doces, a bebida
corria, Nacib recolhia o barato da casa. A propósito de jogo, Nacib quase
tivera uma crise de consciência: devia ou não considerar Mundinho sócio nessa
parte do negócio?
Certamente não, pois o exportador
entrara com capital para o restaurante e não para a tavolagem. Talvez sim,
reflectia a contragosto, levando-se em conta o aluguer da sala pago pela
sociedade, proprietária também das mesas e cadeiras, dos pratos nos quais também
serviam, nos copos em que bebiam.
Ali o lucro era grande, compensava a
freguesia pouco numerosa e pouco assídua ao almoço. Gostaria Nacib de guardá-lo
todo para si, mas temia represálias do exportador. Decidiu falar-lhe no
assunto.
Mundinho tinha uma simpatia especial
pelo árabe. Costumava afirmar, após as complicações matrimoniais de seu actual
sócio, ser Nacib o homem mais civilizado de Ilhéus.
Aparentando grande concentração,
escutou-o expondo o problema. Nacib desejava saber a opinião do exportador:
considerava-se ele sócio ou não do jogo?
-
E qual é a sua opinião, mestre Nacib?
-
Veja o senhor, seu Mundinho… - Enrolava a ponta dos bigodes – Pensando como
homem de direito acho que o senhor é sócio, deve ter metade dos lucros como tem
no restaurante. Pensando como grapiúna podia dizer que não há papel assinado,
que o senhor é homem rico, não precisa disso.
Que a gente nunca falou no jogo, que eu
sou pobre, tou juntando um dinheirinho para comprar uma rocinha de cacau, essa
renda extra me serve muito. Mas como diria o coronel Ramiro, compromisso é
compromisso mesmo quando não está no papel. Trouxe as contas do jogo para o
senhor examinar…
Ia colocar uns papéis em cima da mesa de
Mundinho. O exportador afastou-lhe a mão, bateu-lhe no ombro.
-
Guarde as suas contas e o seu dinheiro, mestre Nacib. No jogo não sou sócio. Se
qui ser ficar absolutamente tranqui lo com a sua consciência, pague-me um pequeno
aluguer pela utilização da sala à noite. Quaisquer cem mil réis. Ou melhor: dê
cem mil réis por mês para a construção do asilo de velhos.
Onde já se viu um deputado federal ter
casa de jogo? A não ser que você duvide da minha eleição… Não há coisa mais
certa no mundo. Obrigado, seu Nacib. Sou seu devedor.
Levantava-se para sair, Mundinho lhe
perguntou:
-
Diga-me uma coisa… - E baixando a voz, tocando com o dedo no peito do árabe –
Ainda dói?
Sorriu Nacib, a face resplandecente:
-
Não, senhor. Nem mais um pingo…
Baixou Mundinho a cabeça, murmurou:
-
Eu lhe invejo. Em mim ainda dói.
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