Azulejos de Eduardo Nery no Campo Grande em Lisboa |
GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 181
Do passeio do bar Vesúvio,
Nacib viu os rebocadores, como pequenos galos de briga, cortando as águas do
mar, arrastando as dragas, no caminho do Sul.
Quanta coisa se passara em
Ilhéus entre a chegada e a partida dos engenheiros e escafandristas, dos
técnicos e marinheiros… O velho coronel Ramiro Bastos não veria os grandes
navios entrarem no porto. Andava aparecendo nas sessões espíritas, virara
missionário após desencarnar, dava conselhos ao povo da zona, pregava a
bondade, o perdão, a paciência.
Assim pelo menos afirmava
Dª. Arminda, competente em matéria tão discutida e misteriosa. Ilhéus mudara
muito nesse tempo curto de meses e longo de acontecimentos. Cada dia uma
novidade, uma nova agência de Banco, novos escritórios de representações de
firmas do Sul e até do estrangeiro, lojas, residências.
Há poucos dias no Unhão,
num velho sobrado, instalara-se a União de Artistas e Operários, com seu Liceu
de Artes e Ofícios, onde estudavam rapazes pobres aprendendo a arte de
carpinteiro, pedreiro, sapateiro, com escola primária para adultos, destinada
aos carregadores do porto, ensacadores de cacau, operários da fábrica de
chocolate.
O sapateiro Felipe falara
na instalação, à qual compareceram as pessoas mais gradas de Ilhéus. Exclamara
numa mistura de português e espanhol ser chegado o tempo dos trabalhadores, nas
suas mãos estava o destino do mundo.
Tão absurda parecia a
afirmação que todos os presentes a aplaudiram automaticamente, mesmo o Dr. Maurício
Caíres, mesmo os coronéis do cacau, donos de imensas extensões de terras e da
vida dos homens sobre a terra curvados.
Também a existência de
Nacib fora movimentada e plena nesses meses: casara e descasara, conhecera a
prosperidade e temera a ruína, teve o peito cheio de ânsia e alegria, depois
vazio de vida, só o desespero e a dor.
Fora feliz de mais,
infeliz de mais, agora novamente tudo tranqui lo
e doce. Retomara o bar o seu ritmo antigo, dos primeiros tempos de Gabriela:
demoravam-se os fregueses na hora do aperitivo, tomando mais um cálice, alguns
subiam para almoçar no restaurante.
Prosperava o Vesúvio,
Gabriela descia ao meio-dia da cozinha no andar de cima e passava entre as
mesas a sorrir, a rosa atrás da orelha. Diziam-lhe graçolas, laçavam-lhe
olhares de cobiça, tocavam-lhe a mão, um mais ousado dava-lhe um tapa nas
ancas, o Doutor lhe chamava de «minha menina».
Louvavam a sabedoria de
Nacib, a maneira como soubera sair, com honra e proveito, do labirinto de
complicações em que se envolvera. O árabe circulava entre as mesas, detendo-se
a ouvir e a conversar, sentando-se com João Fulgêncio e o Capitão, com Nhô-Galo
e Josué, com Ribeirinho e Amâncio Leal.
Era como se, por um
milagre de São Jorge, houvessem recuado no tempo, como se nada de errado e
triste tivesse acontecido.
A ilusão seria perfeita não
fosse o restaurante e a ausência de Tonico Bastos definitivamente ancorado no
Pinga de Ouro, com seu amargo e suas polainas de conqui stador.
O restaurante revelava-se
apenas razoável emprego de capital, dando lucro certo, porém modesto. Não o negócio
excepcional imaginado por Nacib e Mundinho.
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