DO
CARNAVAL
Episódio Nº 24
No único quarto da casa havia um a única cama. Julie
deitou-se. Rigger achou que seria desaforo passar a noite em claro por causa de
uma rameira. E deitou-se também.
Ela, no canto encolhida, deixava transparecer, de propósito,
o seio. Ele sentiu que o seu pé tocava no de Julie. Um arrepio correu-lhe o
corpo. Quis levantar-se, mas não pôde. Ela virou-se na cama e encostou-se a
ele. Paulo acariciou-a. Abraçaram-se. Possuíram-se.
E, no grande momento, ela pediu:
- Perdoe-me…
- Não!
Empurrou-a. Apertou-lhe a garganta. Ela gritou.
Soltou. Soltou-a. Tinha uma vontade louca de esmagá-la. Disse-lhe nomes feios.
Ela sorriu. Ele deu-lhe um soco. Julie gritou:
- Covarde!
E ele bateu-lhe até cansar-se. Depois, deixou-a chorando
na cama. Saiu. Aspirou com força o ar da noite. A lua, no alto, escondeu-se
atrás de uma nuvem.
E o vento parecia cantar-lhe nos ouvidos a marcha
carnavalesca.
Dá nela…
Dá nela…
VI
Meses de intenso trabalho. O “Estado da Bahia”
tirava-lhe todo o tempo. Deveria aparecer por aqueles dias. Paulo Rigger e José
Lopes não saíam da redacção, em longas conversas.
Aqueles dois homens extremamente diferentes se
entendiam. Ambos não estavam satisfeitos com a própria vida. Ambos sentiam a
necessidade de algo que não sabiam o que fosse., algo que lhes faltava.
Eles chegaram à conclusão de que se vive para qualquer
coisa superior. Qual seria ela? Ricardo Braz afirmava que a finalidade da vida,
isto é, a Felicidade, só se encontra no amor.
Jerónimo Soares
insinuava a medo que talvez a religião satisfizesse essa ânsia de finalidade de
todos os homens.
Paulo Rigger inclinava-se para o que dizia Ricardo.
José Lopes não duvidava que Jerónimo tivesse razão, mas não chegavam nunca àquela
certeza a que os outros tinham chegado. Entre eles, Pedro Ticiano, agora com
uma terrível doença nos olhos que lhe ia roubando a vista, jurava sobre a
experiência dos seus sessenta e cinco anos, que o homem superior não tem
finalidade. Vive por viver…
- Mas Ricardo Braz é superior e entretanto garante que
o amor, o casamento, a vida burguesa trazem a Felicidade.
- Mas ele já
amou? Já casou? Quando amar, quando se casar, se decepcionará…
José Lopes estava com Ticiano. O amor não podia dar a
Felicidade…
E, vitorioso:
- E a
saciedade? E a tragédia da saciedade?
Agora podia ser que o sobrenatural – Deus, a religião –
consolasse.
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