DO
CARNAVAL
Episódio Nº 57
E o trem imóvel dava uma
sensação de angústia inexplicável. Ruth continuava, os braços passados em torno
do pescoço do marido:
- E, demais, eu vou fazê-lo feliz… Curá-lo da
literatura…
- Diz bem, Dª Ruth. A vida da gente é só
literatura.
E como que falando para
si:
- E quem conseguirá curar-se?
O trem apitou. Havia no
prolongado e fino assobio do trem qualquer coisa de muito saudoso que
angustiava.
- Adeus Dr. Rigger.
- Adeus, Dª Ruth.
- Paulo…
- Ricardo…
Abraçaram-se longamente. E
o grande trem imóvel, indiferente.
- Um abraço em José, outro em Ticiano.
E, baixinho:
- Vou ser feliz, Rigger.
- Seja…
Depois o trem começou a
andar. Ricardo, na janela, dava adeus com a mão. Paulo Rigger, parado, olhava-o.
Um amigo a menos…
Ficou só na plataforma.
- Coitado do Ricardo! Como vai ser infeliz
quando se saciar. E, afinal, se ele tivesse razão? Se a Felicidade se
escondesse no casamento. Estivera tão perto… Bastaria ter vencido o
convencionalismo. Mas até nisso ele fracassara.
Ele, que em Paris vivia
dizendo blagues, insultando a sociedade, não tivera coragem de romper com ela.
Deixara talvez escapar a Felicidade…
Ter uma esposa, muito
carinho, um filho pequeno com quem brincar, criar galinhas e ciumar.
Felicidade…
Quem sabe?
E, caminhando para o
automóvel, Paulo Rigger gargalhou largamente.
Alegria? Quem sabe? Talvez
fosse tristeza…
No automóvel, quase
deitado, continuou os seus pensamentos.
Depois, qui sera suicidar-se. Encostara ao ouvido, numa tarde
cinzenta, tarde própria para o suicídio, o revólver. Mas faltara coragem.
Tivera um medo incrível da morte… Por quê? Não compreendera ainda… O
sobrenatural não o intimidava. Ele só acreditava na vida do corpo… Por que não
se matara?...
O automóvel rodava sobre o
calçamento molhado. Garotos jogavam futebol apesar da chuva. Teve vontade de
mandar o chofer sobre aquelas crianças. Mataria todas. E pensava isso numa
grande bondade muito humana. “Impedirei que sofram. Mas ninguém quer deixar a
vida…”
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