quarta-feira, março 27, 2013


O PAÍS
DO
CARNAVAL

Episódio Nº 57


E o trem imóvel dava uma sensação de angústia inexplicável. Ruth continuava, os braços passados em torno do pescoço do marido:

 - E, demais, eu vou fazê-lo feliz… Curá-lo da literatura…

 - Diz bem, Dª Ruth. A vida da gente é só literatura.

E como que falando para si:

 - E quem conseguirá curar-se?

O trem apitou. Havia no prolongado e fino assobio do trem qualquer coisa de muito saudoso que angustiava.

 - Adeus Dr. Rigger.

 - Adeus, Dª Ruth.

 - Paulo…

 - Ricardo…

Abraçaram-se longamente. E o grande trem imóvel, indiferente.

 - Um abraço em José, outro em Ticiano.

E, baixinho:

 - Vou ser feliz, Rigger.

 - Seja…

Depois o trem começou a andar. Ricardo, na janela, dava adeus com a mão. Paulo Rigger, parado, olhava-o. Um amigo a menos…

Ficou só na plataforma.

 - Coitado do Ricardo! Como vai ser infeliz quando se saciar. E, afinal, se ele tivesse razão? Se a Felicidade se escondesse no casamento. Estivera tão perto… Bastaria ter vencido o convencionalismo. Mas até nisso ele fracassara.

Ele, que em Paris vivia dizendo blagues, insultando a sociedade, não tivera coragem de romper com ela. Deixara talvez escapar a Felicidade…

Ter uma esposa, muito carinho, um filho pequeno com quem brincar, criar galinhas e ciumar. Felicidade…

Quem sabe?

E, caminhando para o automóvel, Paulo Rigger gargalhou largamente.

Alegria? Quem sabe? Talvez fosse tristeza…


No automóvel, quase deitado, continuou os seus pensamentos.

Depois, quisera suicidar-se. Encostara ao ouvido, numa tarde cinzenta, tarde própria para o suicídio, o revólver. Mas faltara coragem. Tivera um medo incrível da morte… Por quê? Não compreendera ainda… O sobrenatural não o intimidava. Ele só acreditava na vida do corpo… Por que não se matara?...

O automóvel rodava sobre o calçamento molhado. Garotos jogavam futebol apesar da chuva. Teve vontade de mandar o chofer sobre aquelas crianças. Mataria todas. E pensava isso numa grande bondade muito humana. “Impedirei que sofram. Mas ninguém quer deixar a vida…”

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