sexta-feira, maio 10, 2013


JUBIABÁ

Episódio nº 12


Disse em nagô e quando Jubiabá falava nagô os negros ficavam trémulos:

 - ôju ánum fó ti iká, li ôku.

De súbito o negro se lançou aos pés de Jubiabá e contou:

 - Eu já fechei o olho da piedade, gente… Um dia eu fechei o olho da piedade…

Jubiabá olhou o negro com os olhos apertados. Os outros, homens e mulheres, se afastaram.

- Foi um dia lá no sertão alto. Estava tudo seco… Boi morria, homem morria, tudo morria. A gente fugiu, a gente era um bocado, mas foi tudo ficando pelo caminho.

Depois só era eu e o João Janjão. Um dia ele me carregou com as costas que eu não podia mais com as pernas… Ele tinha o olho da piedade bem aberto e a gente tinha a garganta seca.

O sol era ruim, gente…

Cadê água naquele mundão sem fim? Ninguém sabia não…

Um dia a gente arranjou numa fazenda uma cabaça de água para continuar viagem. João Janjão ia com ela, só dava água se ração. A gente ia morto de sede.

Foi quando a gente encontrou outro homem, um branco que já estava morrendo de sede. João Janjão quis dar água, eu não deixei.

Mas eu juro que só tinha um restinho nem dava para eu e ele… E ele ainda queria dar para o homem branco… Ele tinha o olho da piedade bem aberto… Mas o meu a sede tinha secado. Tinha ficado somente o da ruindade…

Ele quis dar água, eu briguei com ele. E na raiva eu matei ele. Ele tinha – me levado um dia todo nas costas…

E o negro ficou olhando o negrume da noite. No céu brilhavam estrelas inúmeras. Jubiabá estava com os olhos fechados.

Ele tinha me levado nas costas um dia todo… Ele tinha o olho da piedade bem aberto… Eu quero tirar ele da minha frente e não posso… Ele está ali, bem ali, olhando para mim.

Passou a mão nos olhos querendo afastar qualquer coisa. Mas não conseguia e olhava fixo.

 - Me levou um dia todo nas costas…

Jubiabá repetiu monotonamente:

  - É ruim vasar o olho da piedade. Traz desgraça…

Então o homem levantou-se e desceu o morro levando a sua história.


António Balduíno ouvia e aprendia. Aquela era a sua aula proveitosa. Única escola que ele e outras crianças do morro possuíam.

Assim se educavam e escolhiam carreira. Carreiras estranhas aquelas dos filhos do morro. E carreiras que não exigiam muita lição: malandragem, desordeiro, ladrão.

Havia também outra carreira: a escravidão das fábricas, do campo, dos ofícios proletários.

António Balduíno ouvia e aprendia.

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