Episódio nº 12
Disse em nagô e quando
Jubiabá falava nagô os negros ficavam trémulos:
- ôju ánum fó ti iká, li ôku.
De súbito o negro se
lançou aos pés de Jubiabá e contou:
- Eu já fechei o olho da piedade, gente… Um
dia eu fechei o olho da piedade…
Jubiabá olhou o negro com
os olhos apertados. Os outros, homens e mulheres, se afastaram.
- Foi um dia lá no sertão
alto. Estava tudo seco… Boi morria, homem morria, tudo morria. A gente fugiu, a
gente era um bocado, mas foi tudo ficando pelo caminho.
Depois só era eu e o João
Janjão. Um dia ele me carregou com as costas que eu não podia mais com as
pernas… Ele tinha o olho da piedade bem aberto e a gente tinha a garganta seca.
O sol era ruim, gente…
Cadê água naquele mundão
sem fim? Ninguém sabia não…
Um dia a gente arranjou
numa fazenda uma cabaça de água para continuar viagem. João Janjão ia com ela,
só dava água se ração. A gente ia morto de sede.
Foi quando a gente
encontrou outro homem, um branco que já estava morrendo de sede. João Janjão qui s dar água, eu não deixei.
Mas eu juro que só tinha
um restinho nem dava para eu e ele… E ele ainda queria dar para o homem branco…
Ele tinha o olho da piedade bem aberto… Mas o meu a sede tinha secado. Tinha
ficado somente o da ruindade…
Ele qui s
dar água, eu briguei com ele. E na raiva eu matei ele. Ele tinha – me levado um
dia todo nas costas…
E o negro ficou olhando o
negrume da noite. No céu brilhavam estrelas inúmeras. Jubiabá estava com os
olhos fechados.
Ele tinha me levado nas
costas um dia todo… Ele tinha o olho da piedade bem aberto… Eu quero tirar ele
da minha frente e não posso… Ele está ali, bem ali, olhando para mim.
Passou a mão nos olhos
querendo afastar qualquer coisa. Mas não conseguia e olhava fixo.
- Me levou um dia todo nas costas…
Jubiabá repetiu
monotonamente:
- É ruim vasar o olho da piedade. Traz
desgraça…
Então o homem levantou-se
e desceu o morro levando a sua história.
António Balduíno ouvia e
aprendia. Aquela era a sua aula proveitosa. Única escola que ele e outras
crianças do morro possuíam.
Assim se educavam e
escolhiam carreira. Carreiras estranhas aquelas dos filhos do morro. E
carreiras que não exigiam muita lição: malandragem, desordeiro, ladrão.
Havia também outra
carreira: a escravidão das fábricas, do campo, dos ofícios proletários.
António Balduíno ouvia e
aprendia.
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