Episódio Nº 16
Foi no morro do Capa Negro
que resolveu lutar. Tudo o que fez, depois, foi devido às histórias que ouviu
nas noites de lua na porta da casa de sua tia.
Aquelas histórias, aquelas
cantigas tinham sido feitas para mostrar aos homens o exemplo dos que se
revoltaram. Mas os homens não compreendiam ou já estavam muito escravizados.
Porém alguns ouviam e
entendiam. António Balduíno foi destes que entenderam.
Havia uma mulher chamada
Augusta das Rendas, que vivia no morro e morava pegada à casa de Luísa.
Chamavam-na das Rendas, porque ela passava o dia fazendo rendas que vendia, aos
sábados, na cidade.
Quando pensavam que ela
estava olhando para uma determinada coisa, ela estava era com os olhos perdidos
no céu, numa coisa invisível.
Era das assíduas na
macumba de Jubiabá e se bem não fosse negra gozava ante o pai de santo de um
grande prestígio. Dava tostões a António Balduíno, tostões que ele gastava
comprando queimadas, ou fazendo vaca para comprar de cigarro vagabundo, de sociedade
com Zebedeu.
Inventavam histórias sobre
a vida de Augusta, pois ela aparecera um dia no morro sem dizer de onde vinha
nem para onde ia.
Ficou, ninguém sabia nada da sua vida. Mas,
como ela tinha aquele olhar perdido e um sorriso triste imaginavam coisas sobre
ela, histórias de infelicidades amorosas, de aventuras tristes. Ela mesmo
quando lhe perguntavam algo sobre a sua vida, dizia somente:
- Minha vida é um romance… É só escrever…
Quando estava vendendo
rendas (e ainda contava os metros por um processo muito rudimentar: juntando a
renda e a mão direita por debaixo do queixo) não raro se atrapalhava:
- Um… dois… três… – parava zangada e agitada –
vinte o quê… Quem foi que disse vinte? Eu ainda estou em três…
Olhava para a freguesa e
explicava:
- Ele me atrapalha que a senhora não imagina…
Eu estou contando direito e ele começa contando ao meu ouvido depressa que faz
medo. Quando eu ainda estou em três já ele está em vinte… Eu não posso com ele.
E fazia súplicas:
- Vá embora que eu quero vender minhas rendas
direito… vá embora…
- Mas quem é ele, sinhá Augusta?
- Quem é, tá aí… Quem pode ser? É esse malvado
que vive me acompanhando. Nem depois de morto deixa de me perseguir.
Outras vezes o espírito
resolvia se divertir e então enlinhavava as pernas de Augusta. Ela parava no
meio da rua e com uma paciência imensa começava a tirar as linhas que ele tinha
passado nas suas pernas.
- O que é que está fazendo, sinhá Augusta? –
perguntavam
- Não está vendo? Estou tirando as linhas que
aquele desgraçado pôs nas minhas pernas para eu não poder andar e não vender as
minhas rendas… Ele quer que eu morra de fome…
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