Episódio Nº 17
E continuava a tirar
linhas invisíveis. Mas se lhe perguntavam alguma coisa sobre quem teria sido
aquele espírito, Augusta nada dizia. Ficava olhando ao longe, o seu sorriso
triste E as mulheres diziam:
- Augusta é pancada que sofreu muito… Vida
triste a dela…
- Mas o que foi que ela
teve?
- Cala a boca… Cada qual sabe da sua vida…
Foi Augusta das Rendas
quem primeiro viu o lobisomem que apareceu no morro. Era por uma noite sem lua,
quando a escuridão dominava nos becos enlameados do morro e só raros fifós
brilhavam nas casas.
Noite assombrada, noite
para ladrões e assassinos. Augusta vinha pela ladeira quando ouviu no mato um
ronco de estremecer. Olhou e viu os olhos de fogo do lobisomem.
Até nem acreditava muito
em histórias de lobisomens e mulas e mulas de padre. Mas daquela vez, ela tinha
visto com os seus olhos. Largou o cesto onde levava as rendas e disparou numa
carreira até a casa de Luísa.
Contou a novidade com
grandes gestos de espanto, a voz ainda engasgada, os olhos desta vez
esbugalhados, as pernas tremendo da carreira.
- Beba um gole de água –
ofereceu Luísa.
- É bom para passar o susto… – agradecido.
António Balduíno ouviu e
tratou de espalhar a notícia.
Dentro em pouco todo o
morro sabia que tinha aparecido um lobisomem e na noite seguinte mais três
pessoas viram o monstro: uma cozinheira que voltava do trabalho, Ricardo
tamanqueiro e Zé Camarão que jogara o punhal no bicho que deu uma grande
gargalhada e se meteu nos matos.
E nas noites que se seguiram
os demais moradores do morro foram vendo a assombração que ria e fugia. E o
medo tomou conta do morro, fechavam-se cedo as portas, as pessoas não saíam à
noite.
Zé Camarão propôs que
fizessem uma batida para pegar o bicho, porém poucas pessoas tiveram coragem.
Só mesmo o negrinho António Balduíno exultou com a proposta e escolheu pedras pontiagudas
para o seu bodoque.
As notícias do lobisomem
continuavam. Luísa viu a sua sombra num dia em que voltava mais tarde. Pedro
levara uma carreira do bicho.
O morro vivia inqui eto e só falava naqui lo.
Até um homem do jornal apareceu e tirou fotografias. De tarde saiu a notícia
dizendo que não tinha lobisomem nenhum, que era invenção do pessoal do morro do
capa Negro.
Seu Lourenço da venda
comprou o jornal mas ninguém acreditou no que ele dizia porque tinham visto o
lobisomem e lobisomem foi coisa que sempre existiu. Os meninos comentavam o
caso no intervalo das carreiras:
- Mamãe me disse que é menino ruim que vira
lobisomem… menino que faz maldade.
- É sim. Cresce as unhas e depois vira
lobisomem numa noite de lua grande.
António Balduíno se
entusiasmou:
- Vamos virar lobisomem?
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