Episódio Nº 25
Tão velha como a negra anciã que morava
na casa mais negra e dava aos moleques, com gestos maternais, tostões para
comprar cocada, e passava o dia pitando um cachimbo de barro, murmurando
palavras que ninguém entendia.
A rua encurvava e as casas ruiriam
breve. O silêncio é de morte. Desce do morro, sobe das pedras.
A Travessa Zumbi dos Palmares agonizava!
Uma vez um casal de noivos veio ver uma casa para alugar. Casa confortável e qui eta. A noiva disse, porém:
-
Não, não quero. Essa rua parece um cemitério…
Dois sobrados na esqui na, um defronte do outro. O resto da rua era
formada por casinhas baixas, escuras, e um ou outro sobrado que já tinha
perdido a cor e nos quais morava uma legião de homens trabalhadores.
Os sobrados da esqui na,
se bem antigos, eram, no entanto grandes e formosos. No da direita morava uma
família que tinha um desgosto muito grande, a perda de um filho, que morrera
assassinado.
Viviam recolhidos, não apareciam nunca
nas janelas que estavam eternamente trancadas, e traziam sempre luto fechado.
Quando, por acaso uma janela se abria,
podia se ver na sala de visitas, um quadro enorme que era o retrato de um jovem
louro, fardado de tenente.
Tinha um sorriso provocador nos lábios
finos e uma flor na mão alva. O sobrado tinha uma varanda e nesta varanda uma
moça loira vestida de preto. Lia um livro de capa amarela e jogava níqueis para
António Balduíno.
Todas as tardes vinha um moço bonito e
passeava em toda a extensão da rua. Assobiava baixinho até que a moça o via.
Então ela se levantava e vinha para o gradeado da varanda onde ficava sorrindo.
O rapaz, elegante, passava várias vezes,
cumprimentava, sorria e antes de ir embora tirava um cravo da botoeira e, após
beijá-lo, jogava-o na varanda.
A moça o apanhava rápida, um sorriso nos
lábios, o rosto escondido na mão livre. Metia o cravo vermelho no livro de
versos e dava um adeusinho com a mão.
O moço ia embora e voltava no outro dia.
Ela jogava um níquel para o negrinho que
estava lá em baixo e era a única testemunha desse amor.
Defronte ficava o sobrado do Comendador.
Gansos passeavam no jardim florido e mangueiras cresciam na alameda que ficava
ao lado da casa.
O Comendador comprara aqui lo barato nos bons tempos, “uma verdadeira
pechincha”, como dizia aos domingos depois que dava uma volta no jardim e ia
deitar no qui ntal ao fundo.
Morava ali há muitos anos, desde que
começara a enricar, e talvez gostasse daquela casa velha de tantos quartos na
travessa sem movimento.
António Balduíno é que ficou espantado
com o tamanho da casa. Nunca vira coisa igual. No Morro do Capa Negro as casas
eram pequenas, de barro batido, portas de caixão, cobertas de zinco.
Tinham duas divisões apenas: a sala de
jantar e o lugar onde dormiam. Mas o sobrado do Comendador, não. Como era
grande, quantos quartos tinha, alguns até fechados, um quarto de hóspedes
sempre mobilado esperando alguém que nunca vinha, salas enormes, cozinha
bonita, a latrina melhor que qualquer casa do morro!
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