Episódio Nº 28
Mas, como Lindinalva veio
chamá-lo para brincarem, ele se esqueceu de fugir. Construiu uma casa para o
gato angorá que era paixão de Lindinalva, correu com ela pelo qui ntal, deu saltos e subiu até ao galho mais alto
da goiabeira para ir buscar as goiabas, de vez que ela gostava.
Ficaram amigos desde
aquele dia. Depois vieram os aborrecimentos. Foi pegado fumando, tomou uma
surra da cozinheira. Revoltou-se. Da tia ele não se importava de apanhar. Mas
da cozinheira, não.
Também quando soltava
palavrões e os soltava a cada momento. Amélia dava-lhe uma tapa na boca com
toda a força. Ele foi ficando com ódio daquela portuguesa de cabelos compridos
(fazia duas tranças que ficava a admirar ao espelho) e dava-lhe língua quando
ela estava de costas.
No entanto, o comendador
era bom para ele. Até o botou na escola pública, uma que funcionava no Largo da
Nazaré com uma professora ranzinza de palmatória em punho.
António Balduíno chefiou
todas as malandragens que os alunos da escola fizeram naquele ano. Cedo foi
expulso como incorrigível. Amélia disse a dona Maria:
- Negro é uma raça que só serve para escravo.
Negro não nasceu para saber.
Mas António Balduíno já
sabia o suficiente. Já sabia ler perfeitamente um A B C de qualquer dos cangaceiros
célebres, e os crimes que os jornais noticiavam. E quando estava de bem com
Amélia era ele quem lia à noite, nos jornais, a história dos crimes que iam
acontecendo pelo mundo.
Assim ia correndo a sua
vida entre brincadeiras com Lindinalva, a quem cada vez mais admirava, e brigas
com Amélia que diariamente fazia queixa a Dona Maria das “molecagens deste
negro sujo”e lhe dava às escondidas surras ferozes.
Tinha notícias do morro
por intermédio de Augusta, que todos os meses vinha vender rendas a Dona Maria.
Sentia saudades da vida solta do morro e voltava a pensar em fugir.
Num domingo, Jubiabá veio
a casa do comendador. Conversaram na sala e ordenaram a António Balduíno que
vestisse a roupa mais nova.
Saiu com Jubiabá, tomaram
um bonde e o negrinho foi revendo a cidade e aspirando com força o ar das ruas,
a liberdade que estava gozando. Nem se lembrava de perguntar a Jubiabá para
onde iam.
Também ele confiava
inteiramente no pai de santo, que naquele domingo estava vestido com um fraque
velho e trazia um chapéu ridículo no alto da carapinha.
Afinal saltaram do bonde,
entraram por uma rua larga e arejada e penetraram num amplo portão guardado por
um homem fardado. António Balduíno pensou que ia ser soldado e riu.
Gostava de ser soldado,
usar farda, passear com mulatas nos jardins públicos. Mas logo se desiludiu.
Não viu soldados no pátio do casarão que era cinzento, de janelas gradeadas
como uma cadeia.
Viu foi homens e mulheres
trajando todos uma roupa igual, que passeavam com ares apalermados, uns falando
sozinhos, outros desenhando gestos no ar.
E Jubiabá o levou para o
lugar onde estava a velha Luísa que dizia com voz fraca:
“eu não vou mais
nunca mais…
nunca mais…"
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