quarta-feira, maio 29, 2013

JUBIABÁ

Episódio Nº 28




Mas, como Lindinalva veio chamá-lo para brincarem, ele se esqueceu de fugir. Construiu uma casa para o gato angorá que era paixão de Lindinalva, correu com ela pelo quintal, deu saltos e subiu até ao galho mais alto da goiabeira para ir buscar as goiabas, de vez que ela gostava.

Ficaram amigos desde aquele dia. Depois vieram os aborrecimentos. Foi pegado fumando, tomou uma surra da cozinheira. Revoltou-se. Da tia ele não se importava de apanhar. Mas da cozinheira, não.

Também quando soltava palavrões e os soltava a cada momento. Amélia dava-lhe uma tapa na boca com toda a força. Ele foi ficando com ódio daquela portuguesa de cabelos compridos (fazia duas tranças que ficava a admirar ao espelho) e dava-lhe língua quando ela estava de costas.

No entanto, o comendador era bom para ele. Até o botou na escola pública, uma que funcionava no Largo da Nazaré com uma professora ranzinza de palmatória em punho.

António Balduíno chefiou todas as malandragens que os alunos da escola fizeram naquele ano. Cedo foi expulso como incorrigível. Amélia disse a dona Maria:

 - Negro é uma raça que só serve para escravo. Negro não nasceu para saber.

Mas António Balduíno já sabia o suficiente. Já sabia ler perfeitamente um A B C de qualquer dos cangaceiros célebres, e os crimes que os jornais noticiavam. E quando estava de bem com Amélia era ele quem lia à noite, nos jornais, a história dos crimes que iam acontecendo pelo mundo.

Assim ia correndo a sua vida entre brincadeiras com Lindinalva, a quem cada vez mais admirava, e brigas com Amélia que diariamente fazia queixa a Dona Maria das “molecagens deste negro sujo”e lhe dava às escondidas surras ferozes.


Tinha notícias do morro por intermédio de Augusta, que todos os meses vinha vender rendas a Dona Maria. Sentia saudades da vida solta do morro e voltava a pensar em fugir.

Num domingo, Jubiabá veio a casa do comendador. Conversaram na sala e ordenaram a António Balduíno que vestisse a roupa mais nova.

Saiu com Jubiabá, tomaram um bonde e o negrinho foi revendo a cidade e aspirando com força o ar das ruas, a liberdade que estava gozando. Nem se lembrava de perguntar a Jubiabá para onde iam.

Também ele confiava inteiramente no pai de santo, que naquele domingo estava vestido com um fraque velho e trazia um chapéu ridículo no alto da carapinha.

Afinal saltaram do bonde, entraram por uma rua larga e arejada e penetraram num amplo portão guardado por um homem fardado. António Balduíno pensou que ia ser soldado e riu.

Gostava de ser soldado, usar farda, passear com mulatas nos jardins públicos. Mas logo se desiludiu. Não viu soldados no pátio do casarão que era cinzento, de janelas gradeadas como uma cadeia.

Viu foi homens e mulheres trajando todos uma roupa igual, que passeavam com ares apalermados, uns falando sozinhos, outros desenhando gestos no ar.

E Jubiabá o levou para o lugar onde estava a velha Luísa que dizia com voz fraca:

“eu não vou mais
nunca mais…
nunca mais…" 

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