Episódio Nº 37
Somava tudo, geralmente
pelos dedos. Com a ajuda de Viriato fazia a divisão.
- Somos nove… Seis e seiscentos para cada um.
E interrogava:
- Está certo, gente?
Estava certo. Iam passando
em frente a Balduíno que dava a cada um o que lhe pertencia. Por vezes o troco
faltava:
- O Sem Dentes lhe dá qui nhentos
réis…
- Olhe lá… De outra vez você bateu três tões
meus…
Iam comer e depois se
estendiam pela cidade em correrias, procurando mulatas para levar para o areal
do cais, penetrando em festas pobres de morros distantes, bebendo cachaça nos
botequi ns da cidade baixa.
Um dia, no entanto algo de
anormal aconteceu. Quando Zé Casqui nha
ia entregar a sua féria sorria um sorriso enigmático.
António Balduíno disse:
- Três mil réis…
Zé Casqui nha sorriu:
- E mais isto…
Jogou no boné do negro um
anel onde uma pedra brilhava à luz do poste. Uma pedra grande cercada por uma
dúzia de pedrinhas. António Balduíno levantou os olhos e afirmou:
- Você roubou isto, Zé Casqui nha.
- Juro que não…A moça me deu uma esmola e foi
embora… Quando eu vi, esse anelão estava junto de mim. Eu ainda corri atrás mas
não vi mais a moça…
- Mentindo em cima de mim…
Os moleques olhavam a
pedra que passava de mão em
mão. Ninguém ligava para a conversa entre Balduíno e Zé Casqui nha.
- Conte como foi, Zé.
- Não tou mentindo, não, Baldo. Foi assim
mesmo…
- E você foi atrás dela…
- Isso é mentira mesmo… Mas o resto é verdade,
eu juro…
- Tá direito. E agora o que é que a gente vai
fazer com isso?
Filipe riu:
- Me dá para mim… Nasci
para usar anel…
Riram todos mas António
Balduíno perguntou de novo:
- O que
é que a gente faz disso?
- Prego. Dá dinheiro muito…
Filipe pilheriou de novo:
- Faço uma roupa nova…
- Basta ir buscar nas latas de lixo…
- Mas no prego não pode, Viriato. O gringo não
tá vendo que não acredita que o bruto seja de nós… Chama a polícia, tá tudo na
cadeia…
- É mesmo…
- Me dá para eu usar – pediu Filipe.
- Não chatei…
- Eu acho que o melhor é a gente guardar ele
um bocado de tempo. Quando a dona já tiver esquecido dele a gente resolve…
E António Balduíno amarrou
o anel junto à figa que trazia no pescoço.
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