Episódio Nº 40
Fica a esperar o automóvel
que lhe agrade. Porque o imperador da cidade não anda em autos vagabundos.
Quando vê um bem luxuoso, ponga na traseira e viaja bairros inteiros.
E passa outro mais bonito,
António Balduíno despede o primeiro, monta no segundo e continua o seu passeio
pela cidade que conqui stou.
E ele e a sua
guarda-de-honra só dormem nas portas dos mais novos arranha-céus, onde todos os
empregados sabem que todos aqueles moleques têm navalhas, punhais, canivetes.
Isso quando não preferem
dormir no areal do cais do porto, olhando os navios enormes, as estrelas no
céu, o verde mar misterioso.
MOLEQUE
O mar é a sua paixão mais
velha. Já de cima do morro do Capa Negro ele ficava a namorá-lo, estudando as
variações do seu dorso que era azul, verde claro e logo verde escuro, tentado
pela sua vastidão e pelo mistério que ele percebia existir nos grandes navios
que descansavam no cais, nos pequenos saveiros que a maré balançava.
O mar traz ao seu coração
um sossego que a cidade não lhe dá. No entanto da cidade ele é o dono e do mar
ninguém é dono.
Vem Vê-lo à noite. Quase
sempre vem só e se estende na areia alva do pequeno cais dos saveiros. Ali
sonha e ali dorme o seu melhor sonho de vagabundo. Certas vezes traz o grupo
todo e então é para o grande cais dos transatlânticos que se dirigem.
Vão ver os homens que
embarcam à noite, misteriosamente, levando sob o braço sobretudos e embrulhos;
vão ver os homens que trabalham na descarga dos navios. São negros e parecem
formigas que levassem enormes fardos.
Andam curvos, como se em
vez de sacos de cacau carregassem sobre as costas o seu próprio destino
desgraçado.
E os guindastes, como
monstros gigantescos que rissem dos homens, levantam fardos incríveis que ficam
balançando no ar. E rangem e gritam e andam sobre trilhos, guiados pelos homens
de macacão que estão dentro dos cérebros dos guindastes.
Ainda outras vezes António
Balduíno vai acompanhado, mas não do grupo de moleques. É quando ele leva
alguma pretinha da sua idade, ou pouco mais velha do que ele, para dormir sem
sonhar nas areias do cais do porto.
Então não vai ver nem a
paz dos saveiros nem o mistério dos transatlânticos e guindastes. Se dirige
para cantos que somente ele e alguns negros conhecem, lugares onde só a
vastidão do mar é enxergada.
António Balduíno gosta que
o mar veja as suas amantes e saiba que ele, apesar dos seus qui nze anos, já é homem, já derruba uma cabrocha na
areia que é macia como um colchão.
Mas sozinho ou
acompanhado, ele olha sempre o mar como um caminho de casa.
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