quarta-feira, junho 12, 2013

JUBIABÁ

Episódio Nº 40



Fica a esperar o automóvel que lhe agrade. Porque o imperador da cidade não anda em autos vagabundos. Quando vê um bem luxuoso, ponga na traseira e viaja bairros inteiros.

E passa outro mais bonito, António Balduíno despede o primeiro, monta no segundo e continua o seu passeio pela cidade que conquistou.

E ele e a sua guarda-de-honra só dormem nas portas dos mais novos arranha-céus, onde todos os empregados sabem que todos aqueles moleques têm navalhas, punhais, canivetes.

Isso quando não preferem dormir no areal do cais do porto, olhando os navios enormes, as estrelas no céu, o verde mar misterioso.



MOLEQUE


O mar é a sua paixão mais velha. Já de cima do morro do Capa Negro ele ficava a namorá-lo, estudando as variações do seu dorso que era azul, verde claro e logo verde escuro, tentado pela sua vastidão e pelo mistério que ele percebia existir nos grandes navios que descansavam no cais, nos pequenos saveiros que a maré balançava.

O mar traz ao seu coração um sossego que a cidade não lhe dá. No entanto da cidade ele é o dono e do mar ninguém é dono.

Vem Vê-lo à noite. Quase sempre vem só e se estende na areia alva do pequeno cais dos saveiros. Ali sonha e ali dorme o seu melhor sonho de vagabundo. Certas vezes traz o grupo todo e então é para o grande cais dos transatlânticos que se dirigem.

Vão ver os homens que embarcam à noite, misteriosamente, levando sob o braço sobretudos e embrulhos; vão ver os homens que trabalham na descarga dos navios. São negros e parecem formigas que levassem enormes fardos.

Andam curvos, como se em vez de sacos de cacau carregassem sobre as costas o seu próprio destino desgraçado.

E os guindastes, como monstros gigantescos que rissem dos homens, levantam fardos incríveis que ficam balançando no ar. E rangem e gritam e andam sobre trilhos, guiados pelos homens de macacão que estão dentro dos cérebros dos guindastes.

Ainda outras vezes António Balduíno vai acompanhado, mas não do grupo de moleques. É quando ele leva alguma pretinha da sua idade, ou pouco mais velha do que ele, para dormir sem sonhar nas areias do cais do porto.

Então não vai ver nem a paz dos saveiros nem o mistério dos transatlânticos e guindastes. Se dirige para cantos que somente ele e alguns negros conhecem, lugares onde só a vastidão do mar é enxergada.

António Balduíno gosta que o mar veja as suas amantes e saiba que ele, apesar dos seus quinze anos, já é homem, já derruba uma cabrocha na areia que é macia como um colchão.


Mas sozinho ou acompanhado, ele olha sempre o mar como um caminho de casa.

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