sexta-feira, agosto 23, 2013

António Balduíno não sentiu o característico cheiro do negro...
JUBIABÁ

Episódio Nº 92


Vá entrando… Vá entrando… A casa é dos amigos – e distribuía grandes abraços.

Eles foram entrando. Um mulato de bigodinho tocava harmónica. Os pares rodopiavam pela sala. António Balduíno não sentiu o cheiro característico do negro. Até ali, no bairro distante, o cheiro doce de fumo dominava.

Os pares rodavam, o homem da harmónica se abaixava e se levantava e no fim da música, de tão excitado, ele tocava de pé e dançava também roçando os pares que passavam ao alcance da sua mão.

Quando a música parou o canoeiro gritou:

 - Meu povo, esse negro aqui toca violão como um santo… E esse gordo sabe cada história linda…

António Balduíno disse ao Gordo:

 - Eu estou pensando na minha cabeça que vou arranjar mulher aqui

Foi lá dentro beber cachaça com o dono da casa e quando voltou, ante a insistência das negras, tocou ao violão seus melhores sambas que o Gordo cantou.

O homem da harmónica estava ressentido mas não dizia nada. Quando António Balduíno acabou disse para ele:

 - Vamos tomar um trago, mano? Você toca bem de verdade…

 - Eu arranho… você é um bamba…

Indicou mulheres para António Balduíno:

 - Aquela ali topa… Olhe aqui a minha mulata tem uma amiga… Porque você não topa com ela?

O homem voltou a tocar harmónica. Agora toda a sala rodava. Os pés batiam no chão, os umbigos batiam nos umbigos, as cabeças se tocavam, estavam todos embriagados, uns de cachaça, outros de música.

Ouvia-se um baticum que os homens acompanhavam com as mãos. Os corpos se uniam pelas cinturas e depois se soltavam, giravam sozinhos e voltavam a se encontrar, barriga com barriga, sexo com sexo.

 - Aí, meu bem…

O baticum continuava, os homens dos instrumentos estavam entre os dançarinos, a sala estava de cabeça para baixo, estava de lado, de repente estava certa, logo depois não estava mais, eles estavam era no teto.

Os fifós ainda atrapalhavam mais. Dançavam sombras, também e elas dançavam na parede, gigantescas, espantosas. O chão desaparecera, os pés não o sentiam mais, só se sentia o corpo que era tocado e trazia uma festa de desejo.

As mulheres eram de mola, quebravam o corpo todo no mexido, as ancas aumentavam, as nádegas remexiam sozinhas, como se tivessem uma vida à parte do corpo.

Dançavam os homens, as mulheres, as sombras e a luz do fifó. Desaparecera a sala, desaparecera a luz, não se via mais nada. Só ficara o baticum, o cheiro doce do fumo e os umbigos que se encontravam.

Desapareceu também o desejo, desapareceu tudo, e agora é pura dança.

António Balduíno escreveu na areia do rio um nome: Regina.

A mulher que estava a seu lado, deitada no cansaço do amor, sorria satisfeita e beijou o negro. Mas veio uma onda pequena e apagou o nome que tinha sido escrito com a ponta do punhal.

António Balduíno soltou a sua gargalhada que estremeceu tudo.

A mulher teve raiva e chorou.

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