António Balduíno não sentiu o característico cheiro do negro... |
JUBIABÁ
Episódio Nº 92
Vá entrando… Vá entrando…
A casa é dos amigos – e distribuía grandes abraços.
Eles foram entrando. Um
mulato de bigodinho tocava harmónica. Os pares rodopiavam pela sala. António
Balduíno não sentiu o cheiro característico do negro. Até ali, no bairro
distante, o cheiro doce de fumo dominava.
Os pares rodavam, o homem
da harmónica se abaixava e se levantava e no fim da música, de tão excitado,
ele tocava de pé e dançava também roçando os pares que passavam ao alcance da
sua mão.
Quando a música parou o
canoeiro gritou:
- Meu povo, esse negro aqui
toca violão como um santo… E esse gordo sabe cada história linda…
António Balduíno disse ao
Gordo:
- Eu estou pensando na minha cabeça que vou
arranjar mulher aqui …
Foi lá dentro beber
cachaça com o dono da casa e quando voltou, ante a insistência das negras,
tocou ao violão seus melhores sambas que o Gordo cantou.
O homem da harmónica
estava ressentido mas não dizia nada. Quando António Balduíno acabou disse para
ele:
- Vamos tomar um trago, mano? Você toca bem de
verdade…
- Eu arranho… você é um bamba…
Indicou mulheres para
António Balduíno:
- Aquela ali topa… Olhe aqui a minha mulata tem uma amiga… Porque você não
topa com ela?
O homem voltou a tocar
harmónica. Agora toda a sala rodava. Os pés batiam no chão, os umbigos batiam
nos umbigos, as cabeças se tocavam, estavam todos embriagados, uns de cachaça,
outros de música.
Ouvia-se um baticum que os
homens acompanhavam com as mãos. Os corpos se uniam pelas cinturas e depois se
soltavam, giravam sozinhos e voltavam a se encontrar, barriga com barriga, sexo
com sexo.
- Aí, meu bem…
O baticum continuava, os
homens dos instrumentos estavam entre os dançarinos, a sala estava de cabeça
para baixo, estava de lado, de repente estava certa, logo depois não estava
mais, eles estavam era no teto.
Os fifós ainda
atrapalhavam mais. Dançavam sombras, também e elas dançavam na parede,
gigantescas, espantosas. O chão desaparecera, os pés não o sentiam mais, só se
sentia o corpo que era tocado e trazia uma festa de desejo.
As mulheres eram de mola,
quebravam o corpo todo no mexido, as ancas aumentavam, as nádegas remexiam
sozinhas, como se tivessem uma vida à parte do corpo.
Dançavam os homens, as
mulheres, as sombras e a luz do fifó. Desaparecera a sala, desaparecera a luz,
não se via mais nada. Só ficara o baticum, o cheiro doce do fumo e os umbigos
que se encontravam.
Desapareceu também o
desejo, desapareceu tudo, e agora é pura dança.
António Balduíno escreveu
na areia do rio um nome: Regina.
A mulher que estava a seu
lado, deitada no cansaço do amor, sorria satisfeita e beijou o negro. Mas veio
uma onda pequena e apagou o nome que tinha sido escrito com a ponta do punhal.
António Balduíno soltou a
sua gargalhada que estremeceu tudo.
A mulher teve raiva e
chorou.
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