Este texto é da autoria de Gregory W. Lester, professor de psicologia na Universidade de St. Thomas, em Huston, nos EUA, e trago-o hoje ao Memórias Futuras a propósito da declaração que li hoje no jornal, de um manifestante fervoroso da Irmandade Muçulmana, desalojado da Praça Raba al-Adawiya, que afirmou:
“Queimaremos tudo,
converter-nos-emos em bombas humanas.”
A chamada “primavera árabe”
descambou, na maioria dos casos, em terríveis guerras de disputa de poder por
facções religiosas lideradas por fundamentalistas fanáticos que em nome de um
deus pretendem asfixiar a sociedade afundando-a no mais terrível obscurantismo.
O Egipto está à beira de uma
guerra civil, mais uma entre as que proliferam nos países do Norte de África, e
tudo por causa de um vírus terrível, mortal, em que as crenças religiosas se
podem transformar.
Vejamos o que nos diz o Prof. Gregory
Lester:
Por que razão é tão difícil erradicar
crenças ruins?
- A razão tem a ver com a natureza das
próprias crenças que estão biologicamente preparadas para serem resistentes à
mudança porque foram designadas para aumentar a nossa habilidade de sobreviver.
Para mudar as crenças os cépticos devem
aceder às habilidades de sobrevivência do cérebro discutindo os significados e
as implicações para além dos dados.
Uma noção básica do espírito crítico e
científico é de que as crenças estão erradas e por isso, é muitas vezes confuso
e irritante para cientistas e cépticos que as crenças de tantas pessoas não
mudem diante de evidências contraditórias.
Perguntamo-nos como é que as pessoas
acreditam em coisas que contradizem os factos?
Essa confusão pode criar uma terrível
tendência da parte dos pensadores cépticos de diminuir e menosprezar as pessoas
cujas crenças não mudam face às evidências.
Elas podem ser olhadas como inferiores,
estúpidas ou até malucas. Esta atitude, resulta de uma falha dos cépticos ao
não compreenderem o propósito biológico das crenças e a necessidade neurológica
de que elas sejam resistentes à mudança.
A verdade é que, por causa do seu
pensamento rigoroso, muitos cépticos não têm uma compreensão clara ou racional
do que são as crenças e por que, mesmo as mais erradas, não desaparecem
facilmente.
Entender o propósito biológico das
convicções pode ajudar os cépticos a serem muito mais eficientes no desafio às
crenças irracionais e na divulgação de conclusões científicas.
Embora faça muito mais do que isso a finalidade
primária dos nossos cérebros é manter-nos vivos e a sobrevivência irá ser
sempre o seu principal propósito e virá sempre em primeiro lugar.
Se formos ameaçados ao ponto dos nossos
corpos ficarem apenas com energia suficiente para suportar a consciência ou o
coração a bater mas não as duas coisas em simultâneo, o cérebro não tem
problema em “apagar-se” e colocar-nos em coma (sobrevivência à frente da
consciência) em vez de ficar alerta até à morte (consciência à frente da
sobrevivência).
Como cada actividade do cérebro serve
fundamentalmente para isso, a única maneira de entender precisamente qualquer
função cerebral é examinar o seu valor como instrumento de sobrevivência.
Mesmo a dificuldade de tratar desordens
comportamentais como a obesidade e vícios pode ser entendida examinando a sua
relação com a sobrevivência.
Qualquer redução no consumo calórico ou
na disponibilidade de uma substância na qual um indivíduo é viciado é sempre
interpretada pelo cérebro como uma ameaça à sobrevivência e o resultado disso é
que o cérebro defende-se criando aquelas reacções típicas da síndrome da
abstinência.
As ferramentas primárias do cérebro para
garantir a nossa sobrevivência são os sentidos. Obviamente, devemos ser hábeis
em perceber com precisão o perigo para podermos tomar atitudes que nos
mantenham em segurança.
Para sobreviver temos que ver o leão à
saída da caverna e ouvir o intruso invadindo a nossa casa a meio da noite.
Apesar disso, os sentidos sozinhos são
inadequados como detectores do perigo porque são limitados no alcance e na
área. Nós só podemos ter contacto sensorial directo com uma pequena porção do
mundo de cada vez.
O cérebro considera esse, um problema
significativo porque, mesmo o dia-a-dia, requer que estejamos constantemente em
movimento, dentro e fora do nosso campo de percepção do mundo como é agora.
Entrar num território que nós nunca
vimos ou ouvimos coloca-nos na perigosa posição de não termos nenhuma noção dos
perigos possíveis. Se entrar num prédio desconhecido ou numa parte perigosa da
cidade, as minhas chances de sobrevivência diminuem porque não tenho como saber
se o teto está para cair na minha cabeça ou se um atirador está escondido atrás
da porta.
É aqui que entra a crença.
Crença: é o nome que damos à ferramenta
de sobrevivência do cérebro que existe para aumentar a função de identificação
de perigos dos nossos sentidos.
As crenças estendem o alcance dos nossos
sentidos de maneira que podemos detectar melhor o perigo e aumentar as nossas chances
de sobrevivência em território desconhecido. Em essência, elas servem-nos como
detectores de perigo de longo alcance.
Do ponto de vista funcional, os nossos
cérebros tratam as crenças como “mapas” da parte do mundo que não podemos ver
no momento.
Enquanto estou sentado na minha sala de
estar não posso ver o meu carro. Apesar de o ter estacionado na minha garagem
há algum tempo, se eu usar os dados sensoriais imediatos, eu não sei se ele
ainda lá está, por isso, neste momento os dados sensoriais não são de grande
utilidade para encontrar o meu carro.
Para que eu encontre o meu carro com
algum grau de eficiência, o meu cérebro deve ignorar a informação sensorial
actual e voltar-se para o seu “mapa” interno do local do meu carro.
Esta é a minha crença de que o carro
ainda está no local onde o deixei. Se me referir à minha crença em vez de aos
dados sensoriais, o meu cérebro pode “saber” alguma coisa sobre o mundo com o
qual não tenho contacto imediato.
Esta faculdade “estende” o conhecimento
e o contacto do cérebro com o mundo para além do alcance dos nossos sentidos
imediatos aumentando as nossas possibilidades de sobrevivência.
Um homem das cavernas tem mais hipóteses
de sobreviver se acreditar que o
perigo existe na floresta embora ele não o veja, da mesma forma que um polícia
estará mais seguro se acreditar que
alguém parado por infracção de trânsito pode ser um psicopata armado embora
tenha aparência de boa pessoa.
Tanto os sentidos como as crenças são
ferramentas para a sobrevivência e evoluíram para se alimentarem um ao outro e,
por isso, o nosso cérebro considera-os separados mas igualmente importantes
como fontes de informação para a sobrevivência.
A perda de qualquer um deles coloca-nos em perigo. Sem os nossos
sentidos não poderíamos conhecer o mundo perceptível e sem as nossas crenças
nada poderíamos saber do que está fora dos nossos sentidos, nem sobre
significado, razões e causas.
Isto significa que as crenças existem para operar
independentemente dos dados sensoriais.
Na verdade, todo o valor das crenças para a sobrevivência baseia-se na sua
capacidade de persistirem não obstante as evidências em contrário.
As crenças não devem mudar facilmente ou simplesmente por causa de evidências
que as neguem. Se elas o fizessem não tinham nenhuma utilidade para a
sobrevivência. O nosso homem das cavernas não duraria muito se a sua crença em
perigos potenciais na floresta se evaporasse toda a vez que ele não visse esses
perigos.
Para o cérebro não há absolutamente
nenhuma necessidade que os dados e as crenças concordem entre si. Cada um delas
evoluiu para aumentar e melhorar a outra pelo contacto com diferentes secções
do mundo.
Foram preparadas para poderem discordar
e por isso é que cientistas podem acreditar em Deus e pessoas que são geralmente
razoáveis e racionais podem acreditar em coisas sem evidências dignas de
crédito como discos voadores, telepatia ou psicocinese.
Quando dados e crenças entram em
conflito o cérebro não dá preferência aos dados e é por isso que crenças, mesmo
disparatadas, ruins, irracionais ou loucas, raramente desaparecem diante de
evidências contraditórias.
O cérebro não se importa se a crença
concorda com os dados, ele apenas se preocupa se a crença ajuda à sobrevivência
e ponto final.
Então, enquanto a parte racional e
científica do nosso cérebro pode pensar que os dados deviam confirmar a crença,
a um nível mais profundo ele nem liga a isso. Ele é extraordinariamente
reticente em reavaliar as suas convicções.
E como um velho soldado com o seu
revólver que não acredita que a guerra acabou, também o cérebro se recusa a
entregar as armas mesmo que os factos desmintam aquilo em que ele crê.
Mesmo as crenças que não parecem, estão
intimamente ligadas á sobrevivência porque as crenças não ocorrem
individualmente ou no vácuo. Elas relacionam-se umas com as outras formando uma
rede que cria a visão do mundo fundamental do cérebro e daqui a importância de
manter intacta essa rede.
Pequenas que sejam e aparentemente sem
importância, qualquer pequena convicção é defendida até ao fim.
Por exemplo, um Criacionista não pode
tolerar a precisão dos dados que indicam a realidade da evolução, não por causa
dos dados em si mas porque mudar qualquer crença relacionada com a Bíblia e a
natureza da criação, quebrará todo um sistema, uma visão do mundo e, em última
análise, a experiência de sobrevivência do seu cérebro.
O que está em causa, portanto, é uma
questão de valor da sobrevivência da credibilidade e, perante ela, as
evidências negativas são insuficientes para mudar as crenças mesmo em pessoas
inteligentes em outros assuntos.
Em primeiro lugar, os cépticos não devem
esperar mudanças de crença simplesmente como resultado dos dados ou pensar que
as pessoas são estúpidas porque não mudam de ideias.
Devem evitar tornarem-se críticos ou
arrogantes como resposta à resistência à mudança. Os dados são sempre
necessários mas raramente suficientes.
Em segundo lugar, os cépticos devem
aprender a nunca ficarem só pelos dados mas discutirem também as implicações
que a mudança dessas crenças podem ter na visão do mundo e no sistema de
convicções das pessoas envolvidas.
Os cépticos devem acostumar-se a
discutir a filosofia fundamental e a ansiedade existencial que se estabelece
quando crenças profundas são abaladas.
A tarefa é tão filosófica e psicológica
quanto científica.
Em terceiro lugar, e talvez a mais
importante, os cépticos devem perceber quanto difícil é para as pessoas verem
as suas convicções abaladas. É, quase literalmente, uma ameaça ao senso de
sobrevivência dos seus cérebros.
É perfeitamente normal que as pessoas
fiquem na defensiva em situações como essas. O cérebro acha que está lutando
pela sua própria vida.
A lição que os cépticos devem aprender é
que as pessoas, geralmente, não têm a intenção de serem teimosas, irracionais,
nervosas, grosseiras ou estúpidas, quando as suas convicções são ameaçadas.
É uma luta pela sobrevivência e a única
maneira de lidar, efectivamente, com esse tipo de comportamento defensivo é
amenizar a luta em vez de inflamá-la.
Os cépticos só podem pensar em ganhar a
guerra pelas convicções racionais se continuarem, mesmo contra respostas
defensivas, mantendo um comportamento digno e respeitoso que demonstre respeito
e sabedoria. Para que os argumentos científicos se imponham, os cépticos devem
manter sempre o controle e não se irritarem.
Finalmente,
o que deve servir de consolo é que a parte realmente fantástica disto, não é
que somente algumas crenças se modifiquem ou que as pessoas sejam tão
irracionais, mas sim que as crenças de qualquer um podem modificar-se.
A
habilidade que os cépticos demonstraram em alterar as suas próprias convicções
a partir das descobertas científicas, constituiu um verdadeiro dom; uma
capacidade poderosa, única e preciosa, só possível por uma alta função do
cérebro na medida em que vai contra algumas das urgências biológicas mais
fundamentais.
Eles
possuem uma aptidão que pode ser assustadora, modificadora e que causa dor. Ao
projectarem nos outros essa habilidade devem ser cuidadosos e sábios.
As
convicções devem ser desafiadas com cuidado e compaixão.
Os
cépticos não devem perder de vista os seus objectivos, devem adoptar uma visão
de longo prazo, tentarem vencer a guerra pelas crenças racionais, não entrarem
numa luta até à morte.
Não
são só os dados e os métodos dos cépticos que têm que ser limpos, directos e
puros, mas também a sua conduta e comportamento.
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