quarta-feira, agosto 28, 2013

JUBIABÁ

Episódio Nº 96


Pareciam pessoas que oravam. E aquele trabalho dava uma dor nas costas, dor fina e prolongada que ficava pela noite adentro, magoando.

quinha passava olhando o serviço, dando ordens, brigando. Montes de folhas de fumo se juntavam e, quando a tarde vinha, as mãos dos homens haviam ganho dez tostões que eles não viam, porque já deviam ao patrão quantias desconhecidas.

Com as mãos calosas e feias acenavam adeuses aos trens que passavam apitando.



Na casa de taipa moravam quatro: Ricardo, o negro. Filomeno, António Balduíno e o Gordo. Filomeno só falava em tiros e mortos, isso quando falava, porque geralmente estava calado, ouvindo.

Ricardo tinha em cima das tábuas em que dormia, colado na parede, o retrato de uma actriz de cinema toda nua com um leque apenas cobrindo o sexo.

Havia pregado o retrato na parede com muito cuidado, retrato que dera o filho do patrão, há uns três anos, quando viera à fazenda. E colocava o fifó de tal jeito que a luz vermelha dava bem em cima da actriz que aparecia nua como um convite.

O gordo tinha um santo em cima da cama, santo que trocara por quinhentos réis nas festas do Bonfim. António Balduíno juntava nos pés do girau - espécie rudimentar de cama – a figa que Jubiabá lhe dera e os punhais que trazia no cinto. O negro Filomeno não tinha nada.

Vinham para o terreiro após o jantar e eles que não tinham cinema, nem teatro, nem cabarés, tocavam violão e cantavam ao desafio.

As mãos brutas dos homens negros tiravam das cordas sonoridades que enchiam de alegria e de tristeza os camponeses todos das plantações de fumo.

Cantavam cantigas tristes, sambas alegres, e no desafio Ricardo era perito. As suas mãos corriam pelas cordas do violão e não eram mais aquelas mãos calosas da enxada e da terra.

Eram mãos de artistas, rápidas e certas, que levavam ao coração dos homens a história de amores e lutas. As mãos que antes davam o pão, davam agora a alegria na terra sem mulheres.

Os violões repenicavam noite afora e era o cinema, o teatro, o cabaré. As mãos rápidas corriam pelas cordas e a música se espalhava entre as plantações de fumo que, à luz da lua, apresentavam aspectos estranhos.

Quando o silêncio baixava sobre tudo, quando não se ouvia mais o som das violas e os homens já estavam estirados nos giraus, o fifó apagado, Ricardo olhava o retrato da actriz nua com um leque cobrindo o sexo.

Estava com os olhos fitos nela e eis que ela se move. Porém agora está vestida e eles não estão mais nas plantações de fumo. Estão na grande cidade, numa cidade que Ricardo nunca viu, cidade iluminada, cheia de automóveis e de avenidas, maior que cachoeira e São Félix reunidas.


Deve ser a Baía e talvez seja até o Rio de Janeiro. Passam mulheres loiras, mulheres morenas e toas sorriem para Ricardo que está elegante, vestido de casimira, com uns sapatos vermelhos como os que ele vira numa loja em Sant’Ana.

Site Meter