DOMINGO
(Na minha cidade de Santarém)
A
história não se escreve duas vezes. Em cada momento as opções, conscientes ou
meramente fortuitas, marcam em definitivo o futuro. É assim na vida dos homens e das mulheres e é assim
na vida dos países.
Se aquela senhora, já de idade, que
vai a passar no outro lado da rua tivesse casado com o outro namorado, aquele
que foi o primeiro amor da sua juventude e com quem rompeu por causa daquela
zanga estúpida e sem jeito, teria sido mais feliz?
Nas suas cogitações mais profundas
ela gosta de pensar que sim. Por vezes, agarra-se mesmo a essa ideia, vive - a
em sonhos porque sabe que a sua história nunca conhecerá versão diferente
daquela que efectivamente foi na realidade.
Também eu gosto de cogitar sobre o
que teria sido a vida dos portugueses e a minha própria, se à saída da 2ª G.G.
Mundial o meu país não estivesse casado com Salazar tendo como companheiro, na
Península Ibérica, a Espanha casada com Franco.
Mas quando eu penso no que poderia
ter sido a vida dos portugueses fora daquele casamento não só tenho a certeza
de que teria sido diferente como, igualmente, teria sido melhor.
Conta-se que um dia Salazar foi de
férias à sua terra natal e um seu vizinho e amigo de infância contou-lhe,
orgulhoso, que o filho conseguira comprar um tractor e que futuramente o amanho
das terras seria melhor e mais fácil, ao que o ditador reagiu mal dizendo-lhe
que aqui lo que o rapaz queria era
fugir ao trabalho, o mesmo trabalho que o pai e os avós sempre fizeram, com
calos nas mãos do cabo da enxada.
Este pequeno episódio, a ser
verdadeiro, é revelador do pensamento e do carácter daquele homem e não deixa
qualquer dúvida de que o nosso futuro teria sido diferente, para melhor, fora
daquele casamento.
Parece, às vezes, que certas coisas
nada têm a ver umas com as outras mas na vida dos homens, tal como na natureza,
tudo tem a ver com tudo, tudo está interligado, interdependente.
Um mau casamento pode fazer com que alguém
que tenha nascido doce morra azedo por dentro mesmo que, ou talvez por isso
mesmo, nunca tenha emitido um grito de descontentamento, de revolta ou azedume.
Os portugueses saíram da ligação com
Salazar pior do que eram, por muitas toneladas de ouro que ele tivesse deixado
no Banco de Portugal.
As personalidades e os comportamentos
são moldáveis. Há até quem tenha dito que ao nascer somos como que páginas em
branco nas quais “alguém”, posteriormente, irá escrever, o que eu, embora concordando
com a influência do meio social, cultural e familiar na formação da
personalidade de cada um de nós ache, no entanto, ser um nítido exagero,
especialmente depois de conviver com a minha neta que fez no sábado 8 anos.
O seu carácter
determinado e liderante está-lhe inscrito nos genes. Nós somos diferentes
de nascimento mas em função do que vier a ser a educação, enquadramento familiar
e social o trilho da nossa vida pode variar muito e isso também dá para perceber.
O povo governado por um tirano em tirania não pode ser igual ao
que é governado por um democrata em democracia.
Quebradas as grilhetas, cortadas as amarras, parecíamos
um barco à deriva, órfãos à procura de um pai. Abríamos a boca de espanto e
fixávamos o olhar admirado em todo aquele que de cima de um púlpito improvisado
arengava às massas e gritávamos, gritávamos muito, em desfiles e reuniões como
se nos qui séssemos vingar pelo silêncio
de tantos anos.
No entanto, as pessoas apenas queriam
ser livres e felizes e ao gritarem todos aqueles chavões demonstravam apenas
que não sabiam o caminho e estavam desorientadas.
Salazar, se pudesse ter observado do
seu túmulo todas aquelas cenas em que foi pródigo o pós 25 de Abril, teria
pensado, mais uma vez erradamente, que afinal era ele que tinha razão…
A falta de ambição, o
conformismo, a desconfiança no vizinho, o trabalho obediente e servil, o medo
de olhar nos olhos o patrão e a autoridade, a incapacidade de apreciar de forma crítica a
sociedade em que nos encontrávamos, tudo contribuiu para agravar as nossas
dificuldades, os excessos e a desorientação logo depois da Revolução dos Cravos.
Quarenta anos de
submissão e silêncio temeroso, retirou-nos personalidade, fragilizou-nos,
conduziu-nos aos disparates na ausência do ditador, do patrão, de quem fomos
dependentes pelo medo.
Durante quarenta
anos os portugueses foram coarctados na sua liberdade, mantidos no seu
imobilismo, a sua vida normal foi interrompida, suspensa, não acompanhou o
curso dos acontecimentos na europa e no mundo, tornou-se um acumular de
frustrações que desembocaram no PREC (Processo Revolucionário Em Curso) porque
sem liberdade democrática não há cidadãos normais.
Hoje, quase quatro
décadas mais tarde, vivendo a maior crise da nossa sociedade, perdida em grande
parte a independência, com quase um milhão de desempregados, endividados ao
estrangeiro, humilhados perante os credores, quantos de nós não são levados a
recordar com nostalgia os tempos em que éramos todos trabalhadores pobrezinhos,
poupadinhos e honradinhos como refere o beato economista João César das Neves? …
Que se passou então?
Fora de uma ditadura não nos sabemos comportar que não seja de uma maneira
despesista, deslumbrados, armados em ricos sem nunca o termos sido?
A liberdade democrática será, para nós,
portugueses, sinónimo de bagunça financeira, falência, corrupção, negócios
fraudulentos, crise total?
Será que em
liberdade só conseguimos produzir políticos demagogos, vendedores de sonhos e
ilusões, messias da felicidade?
Eu não penso assim, nunca pensei
assim, nunca me deixei iludir por uma falsa prosperidade que nos foi vendida
como receita de futuro e que não passava de uma aventura perigosa com as
dívidas a aumentarem descontroladamente e das quais poucos falavam então a não
ser um tipo esqui sito, obcecado por
gráficos, mapas e números, um tal Medina Carreira, a que ninguém ligava até
termos caído na banca rota na qual não chegámos a entrar por força de um Memorando
de Entendimento com os credores feito à pressa e com "as calças na mão" e do qual sentimos agora a sua dureza.
Remoer agora o passado
recente, argumentar e aduzir razões acusatórias e explicações para erros óbvios,
nossos, da comunidade europeia e do mundo comandado pelo capital financeiro
especulativo que levou à falência do Banco Lheman Brothers em 2008, que por sua
vez arrastou consigo outros bancos por esse mundo fora e, naturalmente, os
portugueses, é conversa para políticos, analistas e comentadores que os portugueses
estão saturados de escutar e que à medida que as dificuldades aumentam deixaram
de fazer sentido porque aqui lo que
ansiamos ouvir é uma palavra de esperança, uma luz ao fundo do túnel...
Os portugueses vão aprender agora com o seu próprio sofrimento,
reflectir sobre ele, procurar soluções para as suas vidas perante o descrédito
dos seus políticos.
As próximas gerações de
portugueses estão sacrificadas à enormidade da dívida do país e ao gerirem as
suas dificuldades vão aprender a gerir o país no futuro. A não ser assim, será
o próprio país que não terá futuro.
Filhos e netos que vão ficar com o ónus de pagar os juros da
dívida, ou melhor, de fazê-las rolar ao longo dos anos, como se diz agora…
fazem-me lembrar o meu pai que viveu e morreu a reformar dívidas aos bancos…
Às novas gerações vai-lhes acontecer o mesmo pagando juros,
mais de 7.000 milhões por ano, mas essas não vão morrer porque as gerações não
morrem, reduzem-se, empobrecem e dispersam-se pelo mundo.
Se conseguirem, deixando ainda alguns restos do Estado que
herdaram é porque aprenderam a gerir o país.
Na longa brevidade de uma vida as pessoas da minha geração estão
de partida e levam muito que contar…
Viveram o período áureo de uma falsa prosperidade,
experimentámos a volúpia do consumismo, dos Hipermercados, dos Centros
Comerciais, ensaiámos os telemóveis, mudámos de carro várias vezes e
substituímos o dinheiro por cartões de plástico… e muitos anos depois de termos
sido pobrezinhos, contando os tostões, apagando o mesmo cigarro nos
intervalos das aulas para ele chegar para todos, vamos agora com o treino desse
passado já longínquo, gerir as nossas pensões em progressivo definhamento.
Recordando o passado em termos de felicidade, percebemos que
afinal não foi nenhuma coisa das que tivemos ou deixámos de ter que nos fez
felizes ou infelizes. A felicidade sempre se prendeu com o que fizemos ou
deixámos de fazer, com o que sentimos ou não sentimos.
A felicidade esteve
sempre para além das coisas mesmo quando julgávamos que não. Recordo a
felicidade que senti ao volante do meu primeiro automóvel, ainda nos anos
sessenta, novinho em folha, saído do Stand e estreado na auto-estrada do Norte
que ia de Lisboa a Vila-Franca-de-Xira - 25 km - e que foi tão efémera e curta como a própria
auto-estrada.
Duradoura, apenas a felicidade dos momentos que não se compraram
em nenhuma loja porque nunca estiveram à venda…
Talvez por isso, se fale agora em Relatório Oficial
de Felicidade em que ocupamos, no de 2013, já publicado, o 85º lugar ou seja,
na metade dos mais infeliz dos 156 países que dele fazem parte apesar de
vivermos no continente mais rico e civilizado.
De qualquer forma, talvez possamos fazer relativamente a esse
Relatório da Felicidade, mais alguma coisa do que pelo do PIB, gerido pelos
incompetentes dos nossos políticos.
De estranhar, verdadeiramente de estranhar, é que o Paqui stão, que abre tantos noticiários pelas piores
razões, é mais feliz que nós, em 81º…
Mas já em 1972, o Rei do Butão, gente moldada pelo budismo,
tinha contraposto ao Produto Interno Bruto – PIB - índice de natureza económica
- o FIB Felicidade Interna Bruta. A ONU
gostou tanto da ideia que passou também a publicar Relatórios sobre essa coisa
vaga que dá pelo nome de Felicidade.
Será que mesmo “pobrezinhos” seremos capazes de olhar o azul do
céu e o verde do mar e sentirmo-nos felizes? Estará isso ao nosso alcance?
Dizem os estudiosos destas matérias que não há uma relação
directa entre o dinheiro e a felicidade. Outra coisa deferente é, no entanto, entre
o empobrecimento e a felicidade. Esse, sim, é já um processo é doloroso…
Fui uma pessoa desafogada financeiramente porque vivi sempre
abaixo dos meus rendimentos e, por essa razão, até me posso considerar ter sido
rico. A “chave” esteve no meu patrão, o Estado, que sempre me pagou, certinho, o
combinado.
Mas, por “momentos”, na
minha juventude, fui pobre, quando o cigarro tinha que dar para os três
intervalos das aulas da manhã e aprendi a olhar com desprezo tudo o que estava na montra
das lojas.
Não fiz por esquecer, pelo contrário, retive cuidadosamente essa
passagem da minha vida. É uma experiência que convém guardar, nunca sabemos
quando vamos precisar dela outra vez…
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