domingo, setembro 15, 2013

HOJE É 

DOMINGO
(Na minha cidade de Santarém)





Na semana passada, no Hoje é Domingo, considerei-me uma pessoa de sorte por ter nascido em 1939, em Portugal, e por esta circunstância ter sido poupado, eu, os meus familiares e concidadãos, nos anos seguintes, à violência e humilhação de uma guerra.

Esta sorte, de que me afirmei possuidor, incluía também um secreto e macabro agradecimento aos alemães por me terem poupado.

Afinal, que lhes teria custado saltar os Pirenéus, atravessar a Espanha e entrarem em Portugal desfilando vitoriosos pela Avenida da Liberdade (que deixaria de o ser) até à monumental Praça do Comércio, vulgo Terreiro do Paço?

Os mais velhos estão recordados ainda da famigerada Linha Maginott com que os franceses tentaram impedir a invasão dos exércitos alemães através das suas fronteiras. De que valeu?

 - De nada, rigorosamente nada. Eles entraram com a facilidade de quem atravessa uma linha… uma simples linha!

Agora, passada uma vida, nas noites destes dias que estamos vivendo, nos meus pesadelos mais sinistros, parece que oiço o som ritmado e atemorizador das botas luzidias dos soldados alemães marchando, seguidos do som metálico das lagartas dos carros de combate em cima dos quais, em sentido, um soldado em pé, faz continência à dupla Passos Coelho/ Paulo Portas, perfilados no passeio perante o alheamento e desprezo dos poucos lisboetas passantes…

Sabemos hoje, que afinal não havia qualquer motivo para agradecimento, mesmo secreto e macabro que fosse. Os alemães  que mandavam em 1939 não nos invadiram simplesmente porque nos julgavam desprezíveis, não o suficiente para as câmaras de gás mas muito longe de nos considerarem adversários ou inimigos.

Devem ter-nos confundido com um resto de populações árabes atrasadas no regresso ao seu continente… para quê incomodarem-se connosco?...

Mas agora, passada uma vida, a guerra é outra: os portugueses colocaram-se na perigosíssima e arriscada situação de devedores e isso é intolerável, os alemães que mandam hoje não podem consentir.

Para o seu espírito luterano cometemos o grave pecado da gula e desgovernação, desrespeitámos as contas, gastámos muito mais do que tínhamos e agora há que sujeitarmo-nos ao castigo da austeridade como, noutros tempos, os países atacados suportaram as bombas para castigo por ocuparem o seu “espaço vital”.

Então, a pretexto de que nos ajudam mandam-nos o remédio da austeridade…

Mas temos nós alguma alternativa de nos furtarmos a um medicamento que ao fim de dois anos nos consome agravando o deficit - 4,5% quando as previsões eram 2% para 2014, aumenta a dívida pública e provoca um desemprego nunca visto?

 - Não, não temos alternativa!

 Os nossos credores não conhecem outro remédio para além deste, o do castigo, mesmo que seja contra os interesses deles.

Mas então, porque a dupla Passos Coelho/Paulo Portas se perfila, tal como o governo de Vichy no tempo da França ocupada, perante a continência do soldado alemão?

 - Porque não respeita os portugueses, porque lhes mente, não lhes fala verdade:

 - Começaram por anunciar, soberbos e fanfarrões, que iriam para além da troika, ou seja doses reforçadas do remédio.

 - Fizeram promessas e deram garantias no período eleitoral às quais logo falharam passado muito pouco tempo de chegarem ao governo;

- Despede os funcionários públicos e diz que os requalifica;

- Agrava os custos de vida mas fala em ajustamentos;

 - Corta as pensões dos seus velhos servidores e diz-lhes que a Caixa Geral de Aposentações está falida quando, ele próprio, desviou para a Caixa Nacional de Pensões os descontos dos actuais funcionários públicos interrompendo a corrente da cadeia do sistema;

 - Vai dizendo que esses cortes são temporários quando sabe que as condições que estabeleceu para eles desaparecerem, se e quando alguma vez vierem a acontecer, há muito que todos estarão mortos.

Retalharam e dividiram a nossa sociedade: velhos para um lado, novos para outro. Trabalhadores do sector privado de um lado, do sector público do outro, empregados contra desempregados, pobres contra remediados, e mentem fazendo promessas e apontando objectivos e metas que nunca cumpriram.

Um deles, há pouco, até se demitiu de ministro, em carta escrita à nação, de forma irreversível, dizia lá ele, para regressar uma semana depois como vice-primeiro ministro tendo a particularidade de escolher a sala de um palácio para o exercício das suas novas funções...

Perderam toda a credibilidade enquanto os índices de desigualdade na nossa sociedade que se conhecem vão aumentando. O fosso alarga-se…

Os portugueses vão, com certeza, descer ainda mais da 85ª posição no ranking do Relatório da Felicidade Mundial no conjunto dos 156 países que dele fazem parte.

De estranhar que o Paquistão que abre os noticiários pelas piores razões é mais feliz que nós, na 81ª posição.

 Isto diz tudo sobre a nossa actual frustração porque nenhum responsável político, neste país, teve a coragem de tocar a rebate, olhar-nos, olhos nos olhos, falar-nos verdade e partirmos para uma missão de trabalho e de sacrifícios conhecedores da realidade e do que temos de fazer.

Digamos o que dissermos, poucos povos têm as qualidades humanas dos portugueses com uma identidade nacional, dentro das suas fronteiras, as mais antigas da Europa e a grande capacidade de se espalharem e viverem pelo mundo, seja onde for.

Para terminar o desabafo desta semana deixem-me apenas recordar-vos o que Milôr Fernandes pensava de Felicidade:

 - “Feliz é aquilo que você vai perceber que era uns tempos depois”… Como eu estou de acordo com ele!

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