(Na minha cidade de
Santarém)
Na semana passada, no Hoje é Domingo,
considerei-me uma pessoa de sorte por ter nascido em 1939, em Portugal, e por
esta circunstância ter sido poupado, eu, os meus familiares e concidadãos, nos anos
seguintes, à violência e humilhação de uma guerra.
Esta sorte, de que me afirmei possuidor,
incluía também um secreto e macabro agradecimento aos alemães por me terem
poupado.
Afinal, que lhes teria custado saltar os
Pirenéus, atravessar a Espanha e entrarem em Portugal desfilando vitoriosos
pela Avenida da Liberdade (que deixaria de o ser) até à monumental Praça do
Comércio, vulgo Terreiro do Paço?
Os mais velhos estão recordados ainda da
famigerada Linha Maginott com que os franceses tentaram impedir a invasão dos
exércitos alemães através das suas fronteiras. De que valeu?
-
De nada, rigorosamente nada. Eles entraram com a facilidade de quem atravessa
uma linha… uma simples linha!
Agora, passada uma vida, nas noites destes dias que estamos vivendo, nos meus pesadelos mais sinistros,
parece que oiço o som ritmado e atemorizador das botas luzidias dos
soldados alemães marchando, seguidos do som metálico das lagartas dos carros de
combate em cima dos quais, em sentido, um soldado em pé, faz continência à dupla
Passos Coelho/ Paulo Portas, perfilados no passeio perante o alheamento e desprezo
dos poucos lisboetas passantes…
Sabemos hoje, que afinal não havia
qualquer motivo para agradecimento, mesmo secreto e macabro que fosse. Os
alemães que mandavam em 1939 não nos invadiram simplesmente porque nos julgavam desprezíveis, não o
suficiente para as câmaras de gás mas muito longe de nos considerarem
adversários ou inimigos.
Devem ter-nos confundido com um resto de
populações árabes atrasadas no regresso ao seu continente… para quê
incomodarem-se connosco?...
Mas agora, passada uma vida, a guerra é outra: os
portugueses colocaram-se na perigosíssima e arriscada situação de devedores e
isso é intolerável, os alemães que mandam hoje não podem consentir.
Para o seu espírito luterano cometemos o
grave pecado da gula e desgovernação, desrespeitámos as contas, gastámos muito
mais do que tínhamos e agora há que sujeitarmo-nos ao castigo da austeridade
como, noutros tempos, os países atacados suportaram as bombas para castigo por
ocuparem o seu “espaço vital”.
Então, a pretexto de que nos ajudam
mandam-nos o remédio da austeridade…
Mas temos nós alguma alternativa de nos
furtarmos a um medicamento que ao fim de dois anos nos consome agravando o
deficit - 4,5% quando as previsões eram 2% para 2014, aumenta a dívida
pública e provoca um desemprego nunca visto?
-
Não, não temos alternativa!
Os nossos credores não conhecem outro remédio
para além deste, o do castigo, mesmo que seja contra os interesses deles.
Mas então, porque a dupla Passos
Coelho/Paulo Portas se perfila, tal como o governo de Vichy no tempo da França
ocupada, perante a continência do soldado alemão?
-
Porque não respeita os portugueses, porque lhes mente, não lhes fala verdade:
-
Começaram por anunciar, soberbos e fanfarrões, que iriam para além da troika, ou seja doses reforçadas do remédio.
-
Fizeram promessas e deram garantias no período eleitoral às quais logo falharam
passado muito pouco tempo de chegarem ao governo;
- Despede os funcionários públicos e diz que
os requalifica;
- Agrava os custos de vida mas fala em
ajustamentos;
-
Corta as pensões dos seus velhos servidores e diz-lhes que a Caixa Geral de
Aposentações está falida quando, ele próprio, desviou para a Caixa Nacional de
Pensões os descontos dos actuais funcionários públicos interrompendo a corrente da cadeia
do sistema;
-
Vai dizendo que esses cortes são temporários quando sabe que as condições que
estabeleceu para eles desaparecerem, se e quando alguma vez vierem a acontecer,
há muito que todos estarão mortos.
Retalharam e dividiram a nossa
sociedade: velhos para um lado, novos para outro. Trabalhadores do sector
privado de um lado, do sector público do outro, empregados contra desempregados, pobres contra remediados,
e mentem fazendo promessas e apontando objectivos e metas que nunca cumpriram.
Um deles, há pouco, até se demitiu de ministro, em carta escrita à nação, de forma irreversível, dizia lá ele, para regressar uma semana depois como vice-primeiro ministro tendo a particularidade de escolher a sala de um palácio para o exercício das suas novas funções...
Um deles, há pouco, até se demitiu de ministro, em carta escrita à nação, de forma irreversível, dizia lá ele, para regressar uma semana depois como vice-primeiro ministro tendo a particularidade de escolher a sala de um palácio para o exercício das suas novas funções...
Perderam toda a credibilidade enquanto
os índices de desigualdade na nossa sociedade que se conhecem vão aumentando. O
fosso alarga-se…
Os portugueses vão, com certeza, descer
ainda mais da 85ª posição no ranking do Relatório da Felicidade Mundial no
conjunto dos 156 países que dele fazem parte.
De estranhar que o Paqui stão que abre os noticiários pelas piores razões
é mais feliz que nós, na 81ª posição.
Isto
diz tudo sobre a nossa actual frustração porque nenhum responsável político,
neste país, teve a coragem de tocar a rebate, olhar-nos, olhos nos olhos, falar-nos
verdade e partirmos para uma missão de trabalho e de sacrifícios conhecedores
da realidade e do que temos de fazer.
Digamos o que dissermos, poucos povos têm as qualidades humanas dos portugueses com uma identidade nacional, dentro das suas fronteiras, as mais antigas da Europa e a grande capacidade de se espalharem e viverem pelo mundo, seja onde for.
Digamos o que dissermos, poucos povos têm as qualidades humanas dos portugueses com uma identidade nacional, dentro das suas fronteiras, as mais antigas da Europa e a grande capacidade de se espalharem e viverem pelo mundo, seja onde for.
Para terminar o desabafo desta semana
deixem-me apenas recordar-vos o que Milôr Fernandes pensava de Felicidade:
-
“Feliz é aqui lo que você vai
perceber que era uns tempos depois”… Como eu estou de acordo com ele!
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