Episódio Nº 111
As vozes podiam ser ouvidas lá fora e o chefe do trem
havia de encrencar com aqueles viajantes clandestinos. O velho abriu o olho e
disse a António Balduíno quando ele falou:
- Cala o bico,
negro, se qui ser viajar… Senão jogam
a gente aí na estrada…
E mostrou com os olhos a mulher grávida. António
Balduíno ficou pensando se ele seria marido ou pai dela. A idade era de pai,
mas bem que podia ser marido. Calcule aquela mulher com a barriga grande
andando a pé para a Feira de Sant’Ana.
Paria antes de chegar lá… E o negro riu baixinho. O
rapaz com calças de soldado olhava para ele. E torcia o bigode. Parecia não
estar muito satisfeito com o aparecimento de António Balduíno.
Foi quando ouviram vozes que se aproximavam. Era o
chefe do trem que explicava aos passageiros da primeira classe o atraso.
- Um desarranjo
tolo… Agora vamos embora…
- Mas perdemos
quase uma hora…
- Isso acontece
em qualquer estrada…
- Esta é uma
esculhambação…
Logo depois um apito fino, prolongado e doloroso
anunciou a partida. Mesmo escondido no vagão de portas fechadas António
Balduíno deu adeus.
- Deixa
saudades? – perguntou o velho.
- Só se for de
cobras – riu o negro.
Mas baixou a cabeça e falou sem olhar ninguém:
- Uma menina… uma menina mesmo…
- Bonita? – fez o rapaz torcendo o bigode.
- Cutuba,
menino… Parecia até da cidade…
- E você deixou
ela?
- Ela era
doutro… E ele não morreu…
- Eu sei de um
homem que roubou uma mulher – contou o velho.
- Eu sei de
outro que deu uma facada noutro por causa de uma bruaca… Depois passou dois
dias com fome escondido no mato… - António Balduíno contava a sua própria
história.
- Com medo?
- Cala a boca,
menino… Tu não sabe de nada… Ele estava era cercado de todo o jeito… Se quer
ver se ele é homem ou não te atira em cima de mim…
- Entonce… foi
você?... – e o rapaz olhou com mais respeito.
A mulher guardava silêncio. Mas, quando ela gemeu, o
velho disse:
- Bem que o
homem disse que era uma esculhambação… Se na classe é assim, pobre de nós que
viaja de favor, escondido…
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