No bar da "Lanterna dos Afogados" |
JUBIABÁ
Episódio Nº 110
Ele é invencível… É o
homem mais corajoso daquelas bandas. Ali no céu estão as estrelas que foram
testemunhas de como ele lutou. E se os homens que o cercavam não tivessem
ficado apalermados com a sua coragem ele levaria um consigo para as estrelas,
para o grande céu azul.
Brilharia lá com a sua
navalha na mão… Seria visto por dos Reis, pela mulher de voz masculina, por
Lindinalva e, possivelmente, seria descoberto pelo Gordo que sempre qui s ter uma estrela…
Enganaria mestre Manuel
que havia de pensar que era a luz de um saveiro que queria pegar corrida com o
“Viajante Sem Porto”… Ouviria Maria Clara cantar seus sambas.
Tudo isso aconteceria se
os homens não tivessem ficado bestificados quando ele apareceu na estrada com a
navalha na mão e um talho no rosto. Cairiam em cima dele e ele levaria um.
Talvez furassem todo o seu corpo com tiros…
Mas os homens que morrem
lutando e que levam um consigo viram estrelas no céu e têm um A B C na terra
que canta os seus feitos… Ele seria uma estrela vermelha com uma navalha na
mão. Jubiabá sempre disse que os homens corajosos viram estrelas…
E o negro António Balduíno
solta a sua gargalhada que silencia os grilos e assusta os animais nas tocas.
Um cheiro de folhas se espalha na noite silenciosa. Passa um vento que anuncia
chuva. As folhas se dobram e exalam perfume. Mais adiante na estrada há
qualquer coisa negra e uma lanterna que brilha.
Vozes de homens discutem.
É um trem que parou. Naturalmente leva para a Feira de Sant’Ana os passageiros
do navio que chegou hoje de Cachoeira, vindo da Baía.
Os homens examinam uma
roda. António Balduíno contorna pelo outro lado e chega perto de um vagão de
carga. Se a porta estiver aberta irá de trem. Empurra a porta com toda a força
e ela cede. Está aberta, sim.
Pula como pulam os
animais, rápido e subtil. Fecha a porta por dentro e só então nota que
amedrontou uns vultos que se escondem no fundo do vagão entre os rolos de fumo:
- Ué, gente… Eu sou de
paz… Também não gosto de pagar passagem…
E ri.
A mulher estava grávida. A
barriga ainda não estufara muito mas se notava perfeitamente a gravidez. Um dos
dois homens era velho e segurava um bordão. Fumava quase dormindo. Na escuridão
do carro quando a brasa do cigarro iluminava o bordão parecia uma cobra pronta
para o bote.
O outro vestia calças de
soldado e um paletó velho de casimira. Não tinha barba mas tentava ostentar um
bigode com raros fios que nasciam em cima do lábio. Passava constantemente a
mão no bigode imaginário enquanto conversava.
«Um menino» pensou António
Balduíno.
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