Episódio Nº 109
Eles não vão. A velha
Laura, mãe de Arminda, chegou neste momento. Veio com os olhos inchados, o
corpo inchado, a língua de fora. Ficou rindo dele…
- Vá para o inferno! Vá
para o inferno!
Levanta. Vão todos atrás
dele. Até o Gordo que era tão seu amigo. Jubiabá diz que ele vazou o olho da
piedade. É verdade, sim, é verdade. Mas que o deixem em paz que já vai morrer e
quer morrer como um homem e assim não pode, e assim não pode…
Rezam orações de defuntos…
Ele tropeça numa raiz e cai.
Deixou-se ficar estendido.
E quando se levanta traz uma resolução no olhar.
A estrada está à sua
direita. Marcha para lá a pés firmes. Vai erecto como se não tivesse fome, como
se há dois dias não estivesse sem ver vivos, vendo fantasmas somente e leva a
navalha na mão.
Desaparece na escuridão.
Ouvem-se tiros ao acaso.
VAGÃO
- Já tava criando bicho…
O velho tratava do rosto
de António Balduíno, que inchara com o talho e aparecia disforme e vermelho
como uma maçã. Botou em cima da ferida ervas misturadas com terra. Jubiabá
faria o mesmo.
- Obrigado, meu velho…
Você é bom…
- Vai fechar num instante. Essa folha é santa,
faz milagre…
O negro chegara ali
extenuado pela sua corrida pela mata que margeava a estrada, fugindo das
plantações de fumo. O velho morava num casebre imundo, perdido no mato, com uns
pés de mandioca na frente.
Deu-lhe comida, deu-lhe cama, tratou da ferida
e depois explicou e depois explicou que Zéqui nha
não morrera por um triz, mas que o patrão queria pegar Balduíno para dar uma
surra que ficasse para exemplo.
António Balduíno riu:
- Comigo fia fino, meu tio… Eu tenho o corpo
fechado…
Bebeu um caneco de água:
- Agora vou me botar no mundo… Se um dia puder
lhe pago, meu velho…
- Se botar no mundo pra quê? Assim o talho não
seca, homem de Deus… Pode se arriar… Fique acoitado aqui …
Ninguém desconfia, eu sou um homem pacato…
António Balduíno ficou
três dias esperando o talho fechar. Comia da carne do velho, bebia a sua água,
dormia no seu girau.
Despede-se do velho:
- Você é bom…
Toma o leito da estrada de
ferro. Quando chegar a Feira de Sant’Ana arranjará um caminhão que o levará
para a Baía. E vai feliz por causa da aventura que teve, da luta que sustentou,
do cerco que furou.
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