terça-feira, setembro 03, 2013

JUBIABÁ

Episódio Nº 101

O rosto de Arminda é risonho. Mesmo quando ela está chorando, como agora, tem um rosto alegre. Por que há pessoas assim? O rosto da defunta está verde e cheio de bagas de suor.

Está pegajoso, António Balduíno esfrega as mãos uma na outra, querendo livrar-se da visão. Espia para o teto. Mas sente que os olhares da morta estão fitos nele. Ficou muito tempo espiando as traves e as telhas pretas.

De repente baixou a vista e olhou os seios de Arminda. Sorriu satisfeito: tapeou a velha morta. Mas foi pior, muito pior: ela ficou com a boca torcida de raiva, esbugalhou ainda mais os olhos.

Tem uma mosca pousada na sua boca. Parece uma ponta de cigarro, preta da saliva. António Balduíno tenta acompanhar as orações. E quando pensa que a morta não está mais olhando para ele, abre a boca para pedir água a Arminda.

Mas lá estão os olhos da defunta bem postos em cima dos seus, num ar de desafio. Reza de novo, bebe cachaça. Quantas vezes já terá passado por ele a garrafa? Essa está no finzinho.

Quantas terão ainda que abrir? Numa sentinela se gasta muita cachaça… Agora que a morta não está espiando, António Balduíno se levanta devagarinho, circunda a mesa onde está o cadáver, toca no ombro de Arminda:

 - Venha me dar um gole de água.

Ela se levanta. Vão para o quintal no fundo, onde está uma tina de água e um caneco. Arminda se curvou para encher o caneco e pelo decote do vestido António Balduíno vê os seios.

Então segurou nos braços da menina e girou com ela que ficou de frente para ele, olhando-o espantada. Mas não vê nada a não ser aquela boca e aqueles seios que estão na sua frente.

Vai a apertar o braço e a sua boca se dirige para a boca de Arminda, que ainda não compreende, quando os olhos da defunta chegam e se colocam entre os dois.

A velha Laura deixou o seu lugar em cima da mesa e se meteu entre eles. Ela está tomando conta da filha. Os mortos sabem tudo e ela sabia o que António Balduíno pretendia fazer.

Está ali entre os dois olhando o negro. Ele solta Arminda, põe as mãos nos olhos, derruba o caneco com água e entra na sala como um cego. A morta inchou ainda mais na mesa.

O negro Filomeno ri como quem compreendeu a ideia de António Balduíno ao pedir água. Ele vai fazer o mesmo com certeza. Que besta -  pensa António Balduíno – ele está julgando que vai levar alguma vantagem.

Quando chegar lá encontra a finada espiando para ele. A finada sabe de tudo, ela adivinha tudo…

Porém os olhos da morta não acompanharam Filomeno. Será que ela vai deixar aquele negro imundo tocar em Arminda?

Ele se levantou e pediu água a Arminda e a morta não fez nada. António Balduíno murmura para o rosto impassível.

 - Vá! Vá! Não está vendo aquilo? Não está vendo? Aquele negro é malvado…

Mas a morta não atende ao aviso. Parece até que ela está rindo. Ouve-se um ruído lá dentro. Arminda volta para a sala e agora chora um choro diferente. O vestido está amachucado no lugar dos seios. O negro Filomeno está sorrindo.

António Balduíno torce as mãos com raiva, levanta e diz alto para o Gordo:

 - Você não disse que ela é uma menina de doze anos? Cadê? Cadê a morta que não fez nada…

quinha diz:

 - Tá bêbedo…

Alguém cerra os olhos da morta.

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