Episódio Nº 102
FUGA
No cinto, por debaixo do paletó, António Balduíno traz
dois punhais.
Zéqui nha
correu para cima dele com a foice na mão. Se atracaram e rolaram no barro duro
da estrada. Zéqui nha caiu e a foice
voou longe.
Quando ele se levantou e correu de novo para António
Balduíno viu o punhal na mão do negro. Parou irresoluto. Ficou calculando o
golpe. Depois deu um pulo. António Balduíno deu um passo atrás, a sua mão se
abriu e o punhal caiu.
Zéqui nha
riu com os olhos e rápido como um gato se abaixou para apanhar a arma do
inimigo. E enquanto ele se abaixa, António Balduíno traz sempre dois punhais no
cinto… E a sua gargalhada assusta os homens mais que a luta, que a punhalada e
o sangue.
Era de noite e o negro ganhou o mato.
Abre caminho pelo mato. Corre entre as árvores que se
fecham. Há bem três horas que ele corre assim como um cão perseguido pelos
garotos malvados. No silêncio do mato os grilos se fazem ouvir.
Corre sem rumo, corre perdido, varando o mato, com os
pés doídos, evitando as estradas, se rasgando nos espinhos. A sua calça de
mescla está lanhada de cima abaixo. Ele nem viu quando ela se rasgou.
E o mato sem fim se estende na sua frente. Não vê nada
na escuridão. Agora pára. Ouve ruídos de matos quebrados. Quem vem lá? Já o
perseguirão?
Fica atento, a mão na navalha, única arma que lhe
resta. Está atrás de uma árvore e é difícil que seja visto. Sorri pensando que
o perseguidor que passar primeiro dormirá para sempre.
A navalha está aberta em sua mão. E rápido como uma
visão passa na frente um habitante daqueles matos. Que bicho teria sido. António
Balduíno não o reconheceu sequer e ri do medo que teve.
Continua a caminhada, abrindo caminho com as mãos. Cai
sangue do seu rosto. O mato é implacável para os que o violam. Um espinho
rompeu o rosto de António Balduíno.
Mas ele não vê nada, não sente nada. Sabe apenas que
deixou um homem caído nas plantações de fumo. E nas costas deste homem estava
um punhal que era seu, que fora manejado pela sua mão.
António Balduíno não tem remorsos do que fez. Zéqui nha foi o único culpado. Foi ele quem fez tudo
para aquela briga. Ele o perseguiu muito. Aqui lo
tinha que acontecer… E se ele não viesse com a foice na mão, António Balduíno não
puxaria o punhal.
O mato é ralo mais adiante. Através das folhas o negro
vê as folhas que brilham. O céu está claro. Farrapos de nuvens brancas correm.
Se estivesse ali uma mulata, António Balduíno diria que os dentes dela se
pareciam com as nuvens brancas do céu.
Ele pára e admira o céu da noite estrelada. Senta. Está
numa clareira e não se recorda mais da briga. Se dos Reis estivesse ali… Mas
dos Reis foi com uma família para São Luís do Maranhão.
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