Episódio Nº 114
- Foi minha mãe que me disse quando eu era de
colo. Outra máqui na, uma grande que
carregava muito carro, fazia diferente. Era assim:
- «Café com leite, pão com manteiga»
Igualzinho, não é?
Ficou se recordando.
- Você tem mãe? – perguntou a mulher.
- Vou ficar com ela… Ela chorou quando eu
engajei…
- Você sabe como é mulher… A velha pensa que
eu ainda sou menino… - e retorcia um bigode que não existia.
- Tudo é o mesmo – disse a mulher – você viu –
se dirigia a António Balduíno – aquela que estava na estação pedindo ao homem
para escrever?
- Eu ouvi conversando…
- Nunca mais ela vê ele… Eu também – e
calou-se.
- O quê? – o velho abriu os olhos.
- Nada… Besteira… - começou a assobiar uma
música.
- Esse mundo é ruim – cuspiu o velho com raiva
– Nós nasce para sofrer…
- A vida é boa, velho. Você fala porque está
incongruado… - o ex – soldado riu.
A vida é boa para quem tem
dinheiro – afirmou a mulher.
- Então tu tem uma mãe? - perguntou António
Balduíno virando-se para o soldado. – Eu nunca vi minha mãe. Minha tia
maluqueceu … E o Gordo tem uma avó…
- Quem é esse Gordo?
- Um sujeito que você não conhece. Um sujeito
bom…
- Bom? – escarneceu o velho – Não há ninguém
bom… Quem é que é bom nesse mundo…
- O Gordo é bom…
Mas o velho parecia dormir
novamente. Foi a mulher quem respondeu:
- Tem gente boa, sim… Pobre é que é desgraçado
de nascença… A pobreza faz a gente ruim…
O trem vai rápido. O ex –
soldado se estendeu no vagão. Ele está espiando o rosto da mulher. Ela está
muito envelhecida e a barriga já está feia.
Mas assim mesmo. António
Balduíno percebe o sorriso nos seus lábios. Ela olha o céu pela frincha da
porta:
- É a pobreza, sabe?... É por isso que eu não amaldiçoo ele… Ele me
deixou de barrigão…
- Seu marido? – perguntou o ex-soldado gentil.
- Eu sou mulher da vida… Nunca fui casada…
- Pensei…
- O que é que ele podia fazer? Ele não tinha
dinheiro mesmo… Como ia criar o filho… Fugiu de noite como um ladrão… Deixou as
coisas todas lá em casa… E eu sei que ele gostava de mim…
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