Episódio Nº 116
Com o apito do trem que
parte o velho acordou:
- Tem gente boa, sim… Eu tava mentindo… Minha
filha é boa… Eu tou falando de Maria… Zefa, não… Ela é ruim… Nunca deu notícia…
Quem sabe se morreu? Mas Maria é boa, me dá dinheiro… Só que briga porque eu
bebo… Mas eu bebo é por causa da Zefa que não sei onde está… Maria é boa…
E o velho descamba
novamente a cabeça e volta a dormir. O ex – soldado fala para a mulher:
- É pancado, tá se vendo… Entonce você quer um
menino?
Eu também quero um menino
quando casar… Diz que tem homem que sofre as dores quando a mulher pare…
Está novamente feliz e
olha a mulher sem nenhum desejo. Seu coração está puro e ele pensa com uma
ternura imensa em Maria das Dores que está em Lapa a esperá-lo. Sorri porque
pensa na surpresa dela ao vê-lo.
Que pena que o bigode não
houvesse crescido mesmo… Está tão pequeno ainda…Ela no primeiro momento não o
conheceria…
- Será que ela vai me conhecer?
- Quem? – se espanta António Balduíno.
- Nada. Tou pensando…
O velho acordou. Treme de
frio. Volta o vento que anuncia temporal. Envolve o trem que balança nos
trilhos.
- Essa desgraça acaba virando com a gente –
fala António Balduíno.
- Pobre tem que sofrer… Uns nasce para gozar:
são os ricos. Outros para sofrer: são os pobres. Isso é assim desde o princípio
do mundo…
Agora é o ex – soldado que
dorme feliz. Ronca surdamente. Não ouve o vento que passa assobiando.
- Vai ter chuva grossa… - o velho se arrastou
até à porta por onde espia.
- Eu vim de um lugar, meu tio, onde o povo era
muito desgraçado…Ganhava deztão por dia…
- Nas roças de fumo?
- Ali mesmo, velho…
- Tu não sabe, negro… Eu sou velho aqui … Já vi coisa de arrepiar… Quer saber? – há um
brilho estranho nos seus olhos e ele afasta o bordão para se levantar – Pobre é
tão infeliz que quando merda der dinheiro, cu de pobre aperta…
António Balduíno riu. O
velho não se equi libra e rola em
cima dos fardos de fumo. A mulher acode:
- Se machucou?
O soldado ronca. A mulher
ficou próxima de António Balduíno e diz em voz baixa:
- Eu não disse só pra ele não ficar triste… -
aponta o ex- soldado – Mas para falar direito eu nem sei porque foi que Romualdo foi embora. Talvez por causa da
pobreza mesmo…
Eu é que penso assim… Uma
mulher lá de junto disse que ele foi por causa de outra, uma tal Dulce… E se
foi? – alteia a voz – Mas não foi não… Ele não ia me deixar assim…
O soldado dorme feliz como
um morto.
Assim… Com um filho na
barriga… Mas para que foi embora?...
António Balduíno risca um
fósforo e na luz vê que a mulher chora, sacudindo os ombros. O negro fica
confuso, procura o que dizer e murmura:
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